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3 de junho de 2015

Sassy: a revista adolescente que revolucionou a década de 1990

Talvez pra quem seja muito jovem hoje, fique difícil entender, mas nas décadas de 1980 e 1990 o mainstream e a cultura alternativa eram entidades muito distintas. Eram mundos que não se misturavam.
Existiam praticamente dois tipos de revistas adolescentes: as que focavam em arranjar namorado e mantê-lo e as que te ensinavam a se vestir de forma adequada.

E então surgiu a revista Sassy. Não era uma revista adolescente comum, trazia assuntos como suicídio, doenças sexualmente transmissíveis e autoaceitação. Tudo de forma muito destemida e com linguagem coloquial. Foi o início de um movimento juvenil que reinventou o que era a cultura adolescente da época. 


Kurt Cobain e Courtney Love na capa de abril de 1992

Em março de 1988, a feminista australiana Sandra Yates lançou a revista, cujo nome significa "audaciosa", "petulante". Tinha como editora-fundadora Jane Pratt, e uma equipe de colaboradores da Austrália e Estados Unidos.
A Sassy era uma revista adolescente feminista para fãs de música alternativa e indie rock. Foi o departamento de moda da revista que descobriu a atriz Chloë Sevigny. Quando a viram na rua, a contrataram como estagiária, segundo Pratt "porque ela tinha um estilo próprio que exalava uma extrema noção de como se vestir, ao contrário de outras meninas da idade dela".

Muito comum revistas despontarem anônimos para o sucesso, é o caso da Chloë Sevigny que depois estreou a carreira de atriz no polêmico filme Kids

Inicialmente com uma circulação de 250.000 exemplares, esse número dobrou no ano seguinte. A história de Sassy está intrinsecamente ligada às transformações sociais que ocorreram no final dos anos oitenta e início dos anos noventa. Naquele tempo, a AIDS era uma ameaça real e as taxas de gravidez na adolescência eram imensas. Quando a Sassy introduziu uma nova maneira de as meninas pensarem a sua sexualidade, a publicação ganhou um adversário de peso: a direita religiosa. 

 A revista ganhou a simpatia de diversos artistas da época, entre eles Johnny Depp, Neve Campbell, Mila Jovovich e Mayim Bialik dividiam as capas com modelos.

Milla Jovovich bem novinha num editorial...

Gwen Stefani era inspiração pras meninas da época

Courtney Love, Liv Tyler, Angelina Jolie... todas passaram por suas páginas.

Com as vitórias da Segunda Onda Feminista e as ideias da Terceira Onda ganhando força, as meninas tinham agora uma revista que falava de sororidade e misoginia. Além dessas pautas, trazia colunas sobre sexo, homossexualidade, drogas, política, rock n roll, moda e beleza. E também artigos de cozinha e editoriais temáticos, além de vários dilemas da Geração X.

A revista já apresentava Street Style de outras cidades do mundo e tutoriais que ensinavam a customização. Abaixo, um vestido é feito de uma fronha de travesseiro.

A revista queria bater de frente com as normas mainstream. Enquanto as outras publicações incentivavam a fazer dieta, a Sassy dizia pra você se aceitar como era, ser você mesma, usar o cabelo da maneira que quisesse, ser o tipo de mulher que você quer ser, e acima de tudo que fosse "audaciosa" (sassy). 
Vemos essa vibe feminista na matéria intitulada "Você é linda":

"Talvez você seja uma eco-chic, uma rebelde ou a rainha do glamour. Não importa; você é linda porque você é você. Agora deixa de ser boba e comece a mostrar isso.

Haviam mulheres negras em suas capas e editoriais de moda, algo que as revistas mainstream raramente faziam...

...meninas com cabelos lisos, cacheados, louras, morenas, punks, góticas...(clique pra aumentar).

Sassy foi uma dos primeiras publicações a falar sobre as Riot Grrrls e entrevistar bandas como Bikini Kill, L7, Sleater-Kinney. Repare abaixo: uma menina com uma guitarra na capa, algo que não se vê nem hoje em dia em revistas para mulheres! Uma matéria explicando como se tornar uma baterista e outra com L7.


Como era tudo muito empoderador, a Sassy entendia que suas leitoras tinham cérebros pensantes e alimentava isso oferecedo matérias com conteúdos sérios sem ser enfadonho, além de ter incentivado as meninas a criarem suas próprias mídias, como fanzines, por exemplo.

 Matéria sobre sororidade e outra questionando como a TPM era tratada na sociedade.

As meninas amavam tanto a publicação que eram chamadas de Sassy Girls, tamanha devoção.
Sassy dava às garotas a possibilidade de ver o mundo de outra forma que não as das revistas tradicionais, criando um novo tipo de persona feminina abrindo caminho para mulheres ousadas conquistarem seu espaço. Esse pioneirismo inspirou o surgimento de outras mídias com viés feminista dentre elas a revista Bust e a Bitch. E Jane Pratt é hoje editora chefe do site xoJane.


O fim
Em 1994 a publicação foi vendida ao donos da revista Teen (atualmente Seventeen) e toda equipe de jornalismo que criavam os artigos empoderadores foi demitida. Os leitores se revoltaram porque a Teen era uma exemplo de tudo que era errado com os jovens da cultura americana.
Seis curtos anos, mas revolucionários. 

Ainda hoje a revista ganha fãs e tem um verdadeiro culto de adoração pelas garotas que as liam na época. E não apenas isso. Com o revival da década de 1990 e com o interesse renovado pelo movimento Riot Grrrl, não é difícil encontrar meninas da Geração Y  divulgando imagens de Sassy na web. Talvez por uma carência de representação nas publicações adolescentes atuais ou por saberem o quanto Sassy era vanguardista.

Em abril de 2007, Kara Jesella e Marisa Meltzer, editoras da Teen Vogue, lançaram o livro "How Sassy Changed My Life: A Love Letter To The Greatest Teen Magazine Of All Time" (Como a Sassy mudou a minha vida: Uma carta de amor à maior revista adolescente de todos os tempos). O livro fala como a revista influenciou o mainstream e outras revistas alternativas femininas e inclui entrevistas com os jornalistas originais.


Rookie Mag: A Herança da Sassy
Um dos exemplos desse interesse da nova geração pela publicação é a blogueira prodígio Tavi Gevinson.
A americana sempre foi apaixonada pela revista, e foi assim que conheceu Jane Pratt, editora da Sassy, que sabendo do fascínio de Tavi, entrou em contato e a ajudou a montar a Rookie Mag. Nós achamos isso o máximo! Um exemplo de solidariedade, ou no caso, sororidade, que nós adoraríamos ver acontecendo aqui no Brasil. A Rookie é aquele tipo de website para meninas adolescentes que empodera, informa e questiona assuntos sérios, tem matérias de experiência pessoal (como bullying ou preconceito) e diverte.


Num mundo onde revistas femininas e adolescentes continuam repetindo os mesmos conceitos ultrapassados de décadas atrás, é notável o vácuo editorial para mulheres que pensam e questionam, por isso é  cada vez mais necessário buscar os exemplos empoderadores do passado e do presente para nos sentirmos representadas e assim continuarmos na luta por mudanças. Como Tavi, e milhares de outras espalhadas pelo mundo, somos todas Sassy Girls!

Direitos autorais:
Artigo original do blog Moda de Subculturas, escrito por Sana Mendonça e Lauren Scheffel. 
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Comentários via Facebook

21 comentários:

  1. Amei conhecer a revista! Sério *o*~ Eu conheço mais de moda alternativa japonesa e com isso só sei das revistas japonesas mesmo.

    Eu torço para que revistas femininas parem de publicar matérias do tipo "o que eles pensam sobre...","o que eles não gostam"...
    O lado bom de blogueiras e youtubbers estarem ganhando força é que como não são empregados de ninguém (geralmente), não precisam se enquadrar no padrão de uma editora, podendo falar o que quiserem - se quiserem. O problema é quando espalham ideias ultrapassadas e preconceituosas e machistas.

    Abraços,
    Ichigo~ Sussurro do Ar

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    1. Essas revistas estão mesmo paradas no tempo... e nisso os espaços mais atualizados da web vão ganhando força, Esse tipo de matéria que você citou, vicia o pensamento feminino. Revistas femininas adultas que deveriam tratar as mulheres como seres pensantes ainda insistem em matérias pra lá de ultrapassadas. Já passou da hora de mudarem, né?

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  2. Que coisa maravilhosa essa revista! Se eu não me engano a minha irmã provavelmente tinha uma, mas como eu era muito pequena nessa época não consigo lembrar. Enfim, eu achei sensacional e sinto falta de uma revista assim hoje em dia, por mais que temos blogs e tal, seria uma boa. Me surpreende não ter, na verdade. Adorei o artigo Sana! <3

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    1. Sua irmã tinha? Uau, se ela ainda tiver, não deixa jogar fora, é relíquia que vale uma boa grana no mercado kkkkk
      Faz falta mesmo Jaque, até para mulheres adultas!!
      Obrigada ^^

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  3. Revistas como essas podem de fato mudar muitas coisas. Infelizmente não lembro o nome, mas quando eu era criança(pre-adoslecente), li uma matéria em uma revista que falava que deveríamos valorizados quem somos pelo que somos e sermos felizes com nós mesmo. Foi uma leitura que fez grande diferença para mim e aposto que a Sassy deve ter feito isso para muita gente também.
    Adorei a matéria.

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    1. Com certeza!!
      Quando somos novinhas é fácil nos influenciarmos, por isso é fundamental referências positivas e empoderadoras - coisa que a Sassy fazia. Eu cheguei a ler matérias legais que me fizeram questionar, refletir, pena que não era algo tão comum nas revistas, era esporádico.
      Obrigada! :)

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  4. Por que acabar com algo tão inspirador?
    Estava esta semana mesmo acompanhando o fim da Capricho em papel, rumores de que passará a outro formato (o digital) apenas. Lendo esta matéria, me deu uma saudade da Carícia, da Capricho, da Atrevida dos anos 90! Com certeza inspiradas pela Sassy. Lembro de matérias sobre meninas de rua, sobre meninas que moravam na área rural, sobre neo hippies, sobre inclusão de garotas nas cenas "masculinas" de grafite e skate...era a parte da revista que mais gostava. Também me lembro de aprender muito sobre sexualidade nas revistas, porque ninguém perguntava a professor e todos tinham dúvidas. Muitas das abordagens da revista Atrevida para este assunto me inspiram a conversar com os alunos até hoje!
    Pena mesmo que as editoras cuspam o que querem sobre meninas novas, que ainda estão definindo seus gostos e por isso, aceitam muitas coisas. Quero muito ver uma Sassy na banca, um dia! Não custa sonhar!

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    1. Pois é Vívien, foi engolida pelo sistema, como tudo que é "diferente"... :(
      É, parece que Capricho será apenas digital agora... eu lembro de ler algumas matérias muito legais nessa época (entre 1994-1997) na Atrevida e Capricho.Acho que pode ter sido influência da Sassy sim! Não era tudo tão focado em celebs e "gatinhos", tinha variedades, assuntos polêmicos.
      Já passou da hora das revistas pararem de tratar as meninas com ideias machistas ou ultrapassadas e terem mais coragem de se posicionar sobre assuntos polêmicos.
      Na banca estamos esperando, mas na web temos a Rookie que tem feito um ótimo trabalho além da Bust, Bitch e da xoJane (essas mais para adultas mesmo, como nóis kkk).
      Bjs!

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  5. Essa revista era o máximo! Pena que sou jovem demais pra ter pego essa época de ouro.
    Era uma dessas que precisávamos hoje em dia, já que, tudo direcionado ao público adolescente é ridiculamente feito para que mulheres se encaixem na sociedade que "eles" querem ter.
    Seria muito, muito bom se rolasse um revival e lançassem algumas, pelo menos... Seria de muita ajuda pra meninada hoje em dia :)

    Boa matéria!

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    1. Mas mesmo eu que peguei a época Mellanye só conheci a revista depois que acabou, por causa dessa capa do Kurt + Courtney. Na época aqui no Brasil não se tinha muito acesso à coisas importadas...
      E infelizmente as adolescentes ainda são tratadas de forma ridícula né? Justo nessa idade é que a gente tem que incentivar as meninas a serem mais fortes e questionadoras e não a reproduzirem conceitos ultrapassados.
      Seria ótimo que o pessoal que as tem, disponibilizasse scans na web algo assim, pra todo mundo poder se esbaldar hahaha!
      Bjs e obrigada!

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  6. Que incrível essa revista!
    Pena que acabou dois anos depois de eu nascer...
    Engraçado é perceber que mesmo nos dias de hoje, os temas debatidos nessa revista ainda são super atuais. Como faz falta uma revista assim nos dias de hoje.
    Me deu até vontade de ser jornalista e ter verba pra lançar uma revista nesse tipo. E que pudesse alcançar muitas meninas. É tão cruel o que a sociedade faz com as adolescentes...
    Enfim, adorei o post!
    bjin

    http://monevenzel.blogspot.com.br/

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    1. Pois é Mone, já viu umas pessoas falando que nós (mulheres) já conquistamos tudo e não precisamos lutar mais? Assuntos de 20 anos atrás ainda estarem atuais é a prova que não conquistamos tantas mudanças como dizem...
      A Sassy era ousada em abordar assuntos que ninguém falava abertamente, então imagina o impacto na época de a adolescente ter onde ler infos sem ser tratada como uma "bobinha sem cérebro". Muito inspirador mesmo!!!

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    2. Já vi e isso me mata de ódio! Vou passar a questionar essas pessoas com esse tipo de comentário. Quem sabe não da pra abrir o olho de algumas, né!? ^^
      Imagino.. e imagino como seria agora também... Bem que alguém poderia ter a iniciativa. ^^

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    3. Com certeza, faça isso! Nós não evoluímos mais nestas questões porque as pessoas aceitam fácil o pouco que foi conquistado, não pode ser assim!
      Tem umas mulheres maravilhosas tentando lançar uma revista assim aqui no Brasil, Azmina. Elas estão precisando de apoio, dá uma procurada por Revista AzMina. ;)

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    4. Pois é.. não conquistamos quase nada e já estão achando que temos é privilégios...
      Nossa, sério!? Vou procurar agora! ^^
      bjin

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  7. Que revista perfeita *-* Nunca tinha ouvido falar, deve ter sido realmente um marco para a época. Fiquei viajando aqui nas capas, nas fotos, amei seu post, muito completo e informativo <3 Gostaria de uma revista assim nos dias de hoje, não somente essas revistas superficiais que temos hoje que mostram uma vida surreal e as vezes inalcançável, que só faz os adolescentes sonharem, mas que não cuidam de assuntos realmente importantes.

    www.vodkaescarpin.com.br

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    1. Obrigada Fernanda!
      A Sassy parece mesmo ter sido uma revista que todas nós adoraríamos ler!! <3
      Pois é... as revistas teens de hoje focam muito no mundo das celebridades né? Que não é lá um ótimo modelo de referência pra quem é novo...

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  8. Como foi comentado aqui, revistas como essa estao em falta no mercado. Ate mesmo Atrevida e Capricho que eram revistas que traziam assuntos diversos para mulheres e adolescentes, hoje so traz sempre mais do mesmo. So sabem incentivar consumismo exagerado e com temas sempre ligados a homens bonitos, como se fosse o unico assunto interessado as garotas. Queria ter tido a oportunidade de ter comprado uma Sassy haha Seria minha "biblia da mulher" rs
    Adorei o post!

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    1. Teve um época (fim dos anos 90) que a Capricho foi influenciada pela Sassy, eu cheguei a comprar exemplares bem informativos, mas não sei que nível esta publicação está hoje. Há muito ainda que mudar.
      Obrigada por participar ;)

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  9. Adorei a matéria, e já conhecia a Sassy e realmente era uma ótima revista. Teu blog é o máximo, é um dos poucos que dedico um tempo para ler hehe, obrigada por trazer sempre posts interessantes <3.
    xoxo
    Luly~

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    1. Obrigada Luly! ♥ ♥
      Eu é que agradeço você manter a memória de nós, filhos dos anos 80, viva no seu blog! :D

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