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12 de dezembro de 2015

Subculturas e o conceito de individualidade (parte 2): A autenticidade é uma moeda poderosa.

Essa é a segunda parte de nossa análise sobre Subculturas e Individualismo. A primeira parte vocês podem ler clicando no link abaixo:





Quando estudamos subculturas precisamos de distanciamento pra compreender o contexto social de outras épocas sem levar em conta julgamentos pessoais. Essa neutralidade é fundamental pra estudar gerações do passado e seus grupos. E é impossível estudar subculturas sem estudar os jovens. Jovens costumam ser os seres que praticam mudanças sociais e por isso, temos que estudar um pouco de sociologia e antropologia também.

Muitos acadêmicos dizem que existe certo conformismo em ser parte de um grupo, MAS o individualismo que as subculturas pregaram não pode ser confundido com egoísmo e egocentrismo tão presentes na atualidade. Individualismo tem a ver com liberdade. Liberdade de escolher quem e como você quer ser como indivíduo.


Partindo do princípio que subculturas uniam jovens com interesses em comum, os interesses eram compartilhados. Dentro das subculturas (dentro de um grupo), cada pessoa exercia sua individualidade. Uma punk pode gostar de estampa de onça e ter cabelo verde; outra, cabelos loiros, jeans e camiseta rasgada. Uma roqueira, pode gostar de beber cerveja; outra é natureba. Uma gótica pode gostar de rendas e estética vitoriana; outra, prefere usar corset de vinil e mini saia. O que as une dentro da mesma subcultura, é a música, cultura, valores ou ideologias em comum. Existem leves diferenças de estilo, mas são as semelhanças que as unem. Assim, nas subculturas, o individualismo é sua expressão pessoal sobre um determinado assunto em comum com outras pessoas. E isso é talvez, um pouco complicado de entender pra quem nunca conviveu ou testemunhou.


Quando um punk cortava o cabelo moicano e pintava de verde, suas chances de arranjar um emprego diminuíam e o preconceito aumentava. Em solidariedade, outros punks tinham atitudes semelhantes pra um apoiar o outro e não se sentirem sozinhos. Neste sentido, o que me veio à mente foi: num mundo tão individualista como o de hoje, onde cada um quer exercer ao máximo sua liberdade individual, faz sentido esperar união na cena alternativa? No passado, pessoas diferentes se uniriam à subculturas pois o sistema tradicional não as abraçaria. Hoje que a sociedade não tem mais tanta resistência ao diferente e os jovens podem viver bem sem se unir a um grupo, será que essa possibilidade também os afasta da vivência em grupo nas subculturas? E onde estes jovens encontram apoio? Na esfera virtual? Será que não é exatamente essa ausência de convivência física com pessoas com ideias em comum que, aliado ao estilo de vida pós-moderno, estão deixando-os com uma sensação maior de solidão?

Segundo Zygmunt Bauman, a vida pós moderna é fluida, nada é fixo, o hedonismo (prazer imediato) é o objetivo da existência, existem opções infinitas de possibilidades de tudo, mas todas as escolhas recaem sempre no circuito do consumo. Sempre. Essa é a característica da vida atual.

pézinhos punks

Quando partimos pra década de 1980, os jovens da chamada Geração X, já tinham uma liberdade de escolha bem maior que os Baby Boomers tiveram. Parte destes jovens adentraria subculturas, outra parte não. Essa geração aprendeu sobre subculturas pela mídia, ou seja, ela não necessariamente conviveu com hippies, punks e góticos originais, mas imitou o que viu na TV e revistas sobre eles e passou a se dizer parte destes grupos e formar suas turmas. Essa geração se identifica com tais subculturas um pouco pela ideologia, um pouco pela aparência e muito pela música. Existia uma palavra em voga nessa época: atitude. A pessoa precisava ter atitude pra poder sustentar um look ("atitude" seria uma mistura do que hoje a gente chama de "pró-atividade" aliado a questionamento, empoderamento, ousadia e personalidade forte). E essa geração, passará a misturar elementos das estéticas subculturais já existentes para criar o próprio estilo. A própria música grunge tem uma mistura de punk e metal. O Heavy Metal passa a incorporar o punk e o gótico. E a subcultura gótica, o eletrônico e o cyber. Surge também uma das subculturas mais individualistas que já existiu: os clubbers


Penso que uma das bandas que ilustra bem essa questão da mistura estética entre subculturas que rolava na década de 90, é a Kittie. Selecionei estas imagens que considero ótimas para análise: em sentido horário, na primeira foto, Mercedes Lander usa calça com "fogo" prateado (referência clubber) e plataformas góticas em roupa de couro (referência rock/metal). Já as outras meninas usam silhueta da moda mainstream da época misturado com elementos rock. Na pequena foto do meio, Talena e  Fallon Bowman estão com referência gótica em peças com vinil e no make dark anos 90. Na foto da ponta direita, a referência skate/streetwear é forte e na pequena foto abaixo, no meio, existe um mix que vai de gótico, punk até mainstream. E vale lembrar que elas eram consideradas uma banda de Heavy Metal. 

Clique na imagem para aumentá-la.

Como novos sons musicais são criados, novas vestimentas surgem pra refletir o tipo de som que eles ouvem. É possível que o vestuário destes jovens, especialmente de meados da década de 1990 pra frente, seja mutável. Assim, aos poucos, interesses ideológicos e musicais podiam ficar em segundo plano e isso explica-se assim:
Na década de 90, por vários fatores, o consumismo e consequentemente o capitalismo, aumentaram. Fazer dinheiro a todo custo tornou tudo vendável. Até a autenticidade. Então, a moda alternativa passa a ser sondada pelos cool hunters, profissionais que já foram apelidados de "parasitas", porque captam estilos de pessoas ou grupos e os transformam em produtos vendáveis na moda mainstream.
Quem nasceu ou foi adolescente de 1994 pra cá, recebeu da sociedade essa mensagem de que "moda alternativa é comprável em loja mainstream". Assim, como tudo que nos é ensinado, você se habitua, passa a achar aquilo "normal" e não questiona. Pelo fácil acesso, acaba misturando estilos pra criar "sua identidade" e expressar sua individualidade.

O grunge é conhecido como a última subcultura de rebeldia, depois dela, todas as outras já nasceram influenciadas pelo mainstream, pela mistura, cooptação e venda de estilos subculturais - e estes, se tornaram mais facilmente descartáveis.


Por que os cool hunters e o mainstream prestam tanta atenção nas subculturas e na moda alternativa?
Porque a autenticidade é uma moeda poderosa.
A moda vive do novo. Ou do "fingir" que vende algo novo: a calça boca de sino virou flaire, a alpargatas vira espadrille. Um novo nome pra moda não parecer velha. O jovem adora e consome o novo. O jovem é o foco da moda atual.
Vender autenticidade para as massas se tornou um hábito em uma sociedade pós-moderna disposta a comprar tudo que valoriza a diferenciação e a individualidade. 


O que diferencia a moda alternativa e a mainstream não é apenas o preço, é o contexto.
Enquanto os fashionistas vestem jaqueta de couro compradas pela etiqueta e vazias de ideologias, na moda alternativa veste-se um código iconográfico que transmite a ideia do que você/gosta é ou qual subcultura é sua referência. Aquela jaqueta de couro preta que fez jovens serem expulsos de casa na década de 1950, hoje é fashion e desejada, quem não a tem está "fora de moda", quem a usa, não mais será expulso de seu lar, mas sim admirado pelo estilo "cool". E outros desejarão comprá-la para se tornarem cool também. 

Jaqueta de couro com spikes, década de 1980.

A partir da década de 1990, toda a história e estética das subculturas viraram  mercadorias num  "supermercado de estilo" onde você poderia comprar cada dia uma peça diferente inspirada em várias subculturas, criando um estilo "sampleado". Assim, as subculturas mais significativas começam a declinar pela perda de adeptos. Para se ter a tal autenticidade, vale experimentar tudo.


A era de ouro das subculturas acabou?
Elas não vivem mais seu ápice criativo, mas mantém vivas o desejo de preservar a memória do passado. Mas não diria de forma alguma que acabaram.
Que vira adeptos de uma subcultura hoje acaba sendo ousado por optar a ter visuais fixos indo em oposição à uma moda alternativa super mutante. Podem ser uma cópia dos que foram originais no passado. Ser uma cópia, nesse sentido, não é todo ruim, existe até certo romantismo querer que todos sejamos iguais de novo, unidos por um ideal em comum, compartilhando vidas, opiniões e amizades. Uma espécie de nostalgia de uma época em que não viveram.

Usar arreio não é novidade (Peter Murphy).
Os alternativos atuais copiam o passado.

Penso também que há o lado positivo a ser celebrado na mistura de estilos subculturais: à nosso próprio modo, carregamos e espalhamos a herança dos punks. Porque de certa forma, foram os punks que inventaram a mistura de estilos quando diziam: vamos fazer por nós mesmos (do it yourself)! E foram eles os primeiros a usar uma moda eclética, desconstruída e reconstruída. Maquiagem caricata, cabelos malucos, acessórios inusitados... Peças tão diferentes usadas juntas resultando num visual único. Individualista. E cheio de atitude.


"Punks não morreram." (Nina Hagen)

Na terceira e última parte, a seguir, falo do começo do século 21!


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8 comentários:

  1. Parece que depois do fim da Guerra Fria e com a "vitória" do Capitalismo, os modos de vida alternativos se tornaram um objeto de consumo também. Não há nada que não podemos comprar, se tivermos dinheiro e é aí que eu vejo o lado ruim dessa individualização: eu sou diferente e exerço minha liberdade, contanto que eu pague por ela.

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    1. Isso! E a queda do muro de Berlin também influenciou, com o "fim" do socialismo. Impressionante como de lá pra cá o diferente e o alternativo aos poucos foi se tornando produto descartável visando o consumo da massa...

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  2. Ótima postagem refletiu bastante a realidade mainstream × underground, e a comercialização das ideologias alternativas. Que hoje são transformadas em meras tendências vazias de significado por alguns fashionistas parasitários e absorvidas sem reflexão pelo grande público.

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    1. Que bom que curtiu Mille! ♥
      Gostei das suas definições: "fashionistas parasitários" e "absorvidas sem reflexão", é bem isso mesmo que acontece, o alternativo virou "cool" e o que importa é PARECER alternativo, mas não SER alternativo e encarar todos os preconceitos sociais advindos disso.

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  3. "Assim, nas subculturas, o individualismo é sua expressão pessoal sobre um determinado assunto em comum com outras pessoas. E isso é talvez, um pouco complicado de entender pra quem nunca conviveu ou testemunhou."
    Ta aí uma frase que me "marcou". Lembro que quando comecei a me identificar com o lado alternativo e comecei a sair pros "rolês alternativos" era justamente isso que eu achava que ia encontrar, pessoas com assuntos em comum e que quisessem debater, construir amizades, ter sua individualidade, mas nem por isso ser cada um no seu quadrado e tal. Mas com o passar do tempo eu fui percebendo que no meio alternativo que eu estava convivendo, a única coisa que havia era uma guerra silenciosa pra ver quem aparecia mais que o outro, quem tinha mais status que o outro. Talvez seja por isso que eu tenha me decepcionado com essa coisa de pertencer a uma subcultura e tal. Tem sido até bom ler esses posts pra eu voltar a perceber que essa visão distorcida das coisas que eu tive é que está errada.
    Infelizmente, o capitalismo realmente anda estragando tudo, até o que não deveria, como o mundo alternativo. Estão tentando tornar tudo que é nosso vendável, mas sem a ideologia por trás dela. Deixando tudo vazio de significado para as pessoas poderem se sentir cool ou na moda. Triste.
    Como sempre, adorei o post! Tô gostando muito dessa sequência de posts. ^^
    bjin

    http://monevenzel.blogspot.com.br/

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    1. Mone, entendo. Já tem um tempo que a situação é essa :( É por isso que muito dizem que as subculturas estão morrendo em seus conceitos e originais e algumas pessoas tem tentado fazer um resgate. O lado ruim é que muita gente se afasta criando uma visão errada do que eram as subculturas e as cenas alternativas. Mas a grande verdade é que o tempo vai filtrar estas pessoas.
      O lance do capitalismo é o que mais me incomoda atualmente, porque tá tornando tudo e todos muito superficiais e impondo padrões até dentro da cena. Obrigada por estar gostando! ♥

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    2. Pois é. Exatamente isso que aconteceu comigo. Cheguei achando que ia encontrar de certa forma apoio dos que em algum ponto pareciam ou concordavam comigo e no final acabava passando pelas mesmas situações que eu poderia passar estando com pessoas que discordavam totalmente de mim e só queriam vencer a discussão de qualquer jeito. E acabei tendo uma visão errada do que é uma subcultura ou uma cena alternativa. Mas o tempo, ah o tempo, esperamos que ele resolva isso também e filtre mesmo essas pessoas, porque a cada dia que passa essa situação só piora...
      Verdade.. com essa coisa do capitalismo, de quem tem mais coisas é mais legal e tal, acaba que cria um padrão bem parecido com o mainstream. Cadê o povo customizando as roupas? Cadê o povo querendo conhecer alguém de verdade? Cadê o povo sem interesse em alguma amizade só por status? Bom, esse é assunto pra parte 3 né, que eu já li.. rs
      Nem precisa agradecer. Os textos estão realmente incríveis, como sempre! ^^
      bjin

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    3. Sempre tem alguém querendo ganhar a discussão né? Mas o importante nem seria ganhar mas sim expor os pontos, ouvir o do outro e cada um ficar na sua, refletindo. O que não é legal é tentar forçar alguém a concordar com o que não concorda, ter uma mente fechada e preconceituosa, pq isso não tem a ver com a cultura alternativa.
      *Apaguei seu outro comentário que vc pensou que este não tinha vindo ;)
      E obrigada, de novo!

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