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28 de março de 2017

Moda Alternativa "Plus Size": Em entrevista, Nívia, estilista da marca Dark Fashion, desmistifica vários conceitos sobre este segmento de mercado

Alguns anos atrás fizemos uma matéria extensa sobre plus size quando o termo ainda estava começando a ser abordado no Brasil. De lá pra cá, sob pressão do empoderamento feminino apareceram roupas em tamanhos maiores em diversas marcas. Nossas colaboradoras Annah e Carolina abordaram o tema recentemente.

Assim como existem controvérsias sobre a estética alternativa ter se tornado mainstream (podemos chamá-la ainda de alternativa se existe o consumo de massa?), existe o debate sobre se o termo "plus size" inclui ou exclui. Quem é contra pede que o termo seja eliminado, pois mantém a separação. Quem defende, apoia o uso de forma educacional, pois devido à popularização deste é ficamos conhecendo mais sobre o mercado e "descobrimos" que existe esta imensa parcela consumidora.

No Brasil, existe uma marca alternativa que faz roupas maiores desde o começo. Nem todos se atentavam para este fato, por isso esta entrevista se fez necessária indo de encontro ao mais novo catálogo de fotos da loja, mostrando que tanto as meninas magras quanto as de tamanhos maiores podem sim usar as mesmas roupas!

Após dezenas de anos vendo a moda como algo "só para magras"  criou-se uma concepção alimentada pelo mercado de que plus size é algo difícil de fazer, algo anormal e que colocaria em risco uma empresa. Isso é uma tremenda enganação. O plus size é apenas uma gradação de tamanhos na modelagem de uma roupa, nada mais. É este tipo de desmistificação que Nivia, estilista da Dark Fashion conversa com a gente numa entrevista sincera, direta e com opiniões que se tornarão referência para aquele momento em que alguém vira e diz que plus size é "inviável" e "precisa ser mais caro". A designer de moda também conversa sobre a dificuldade de arranjar modelos para o editorial, tocando num ponto delicadíssimo que é a autoestima das meninas.

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Há diversas reclamações de consumidores sobre o mercado plus size. Quais são as suas dificuldades como empresa pequena para atender esse público?
Nívia: Em relação à parte técnica nenhuma, pois como modelista, quando faço uma modelagem posso graduar ela em vários tamanhos, ou em casos mais especiais fazer sob medida, então acredito que é mais uma opção da empresa em atender ou não este público. Ou em muitos casos é falta de conhecimento em modelagem ou de não ter um profissional modelista para a execução deste trabalho.
A minha dificuldade enquanto loja virtual é mostrar através de fotos os produtos, mesmo com boas fotos, o cliente poderá não se sentir à vontade para fazer a compra e eu nunca consigo mostrar todo o potencial da peça, tem coisas que o cliente só perceberá quando ver a peça ao vivo. Inclusive, tive dificuldades para conseguir modelos para o ensaio plus size que fizemos, convidei algumas meninas que acabaram desistindo por vergonha, mas felizmente a Cintia topou, e espero que isso motive outras garotas também.



O consumidor brasileiro ainda é conservador e ligado aos padrões estéticos, o que muitas vezes atrapalha as marcas a tentarem trazer coisas novas ao mercado. Esse tipo de comportamento também se repete no cliente alternativo plus size?
Infelizmente sim, alternativo ou não, algumas pessoas têm estes preconceitos enraizados. Mas luto contra isso a algum tempo e incentivo minhas clientes plus para enviarem suas fotos e aos poucos vejo mudanças. Jamais deixei isso me influenciar, tanto que crio roupas pensando em todas, e no que sei que será mais usado. Mesmo sabendo que roupas mais sexies fazem mais sucesso, na prática é bem diferente, observo o que vendo mais e o que os clientes estão pedindo e não aquilo que faz mais “sucesso” nas mídias.


Há reclamações de lojas que vendem peças plus size mais caras que as peças P/M/G. Esse valor não deveria ser distribuído no orçamento da empresa assim como todos os outros gastos ao invés de ser cobrado apenas da consumidora que usa tamanho maior? Ou é justificável a venda de peças maiores por um valor mais alto?
Isso não é justificável de forma alguma, na minha visão é apenas falta de conhecimento. Quando se faz uma modelagem, para saber o consumo do tecido, você usa uma grade, por exemplo: P, M, G e GG, distribui os 4 tamanhos no tecido, e mede quanto deu o consumo do tecido para os 4 tamanhos e divide por 4, assim você terá a média de consumo para a peça independentemente do tamanho. Nesta mesma metodologia, aplico a distribuição dos outros custos agregados, como mão de obra e aviamentos, por exemplo. Cobrar a mais de quem usa um tamanho maior, ou sob medida, para mim é uma forma de exclusão social. Portanto, no meu caso, não acho justificável cobrar um valor maior por tamanhos maiores, tanto que nunca cobrei.



Agora temos as perguntas das leitoras enviadas através de anúncio em nossas redes sociais. Obrigada à todas (vocês estão linkadas) que se engajaram em participar! As meninas não sabiam as perguntas que nós faríamos, por isso alguns temas repetidos, mas é importante que cada uma delas tenha suas dúvidas sanadas, por isso mantive as questões semelhantes.

@mirock1983 A marca já começou trabalhando com plus size ou foi um mercado que estava crescendo e você resolveu apostar nele em conjunto com o de tamanhos "normais"? Quais as referências da marca para desenvolver modelos plus, quais as inspirações? 
Particularmente, não gosto muito do termo plus size. Uso porque é a forma como se convencionou chamar esse nicho. Como modelista, não vejo nada de sobrenatural em um tamanho maior comparado com um menor, são apenas tamanhos e fazer um P dá o mesmo trabalho que fazer um EGGG. Desde o inicio, já oferecia uma grade de 6 tamanhos do PP ao EG, mais o sob medida, e logo aumentei mais dois tamanhos: EGG e EGGG; deixando a nossa grade com 8 tamanhos. Não é necessários ter inspirações para isso, é só graduar mais a modelagem padrão. Acredito que deveríamos parar de usar termos como “tamanhos nobres” “tamanhos normais” e até “plus size” para definir as pessoas, como se quem usasse tamanhos maiores fosse anormal. Somos todos diferentes, com gostos diferentes, corpos diferentes e portanto usamos  tamanhos diferentes, simples assim.   

@lygia_cruz  Dizem que as marcas não trabalham com plus size porque dá prejuízo. Qual a experiência da marca quanto a isso?
É só falta de conhecimento. A maior parte dos donos de marcas alternativas infelizmente não tem formação em Design de Moda, não conhecem a fundo os processos produtivos (ou mesmo modelagem) e por isso tem esta visão limitada. E em alguns casos acredito que apenas usam isso como desculpa para não terem trabalho a mais.



@sailorrosenrot Como foi adaptar para o nosso clima e manter-se com um estilo próprio na marca? Tecidos, caimento e conforto foram pensados conforme as queixas de consumidoras insatisfeitas com a gama de variedades disponíveis no nosso país?
Aqui entra o conhecimento têxtil e uma questão de bom senso, é claro. Precisamos e queremos usar roupas bonitas e acima de tudo confortáveis e duráveis. Então, tento aliar tudo isto dentro das possibilidades que os fornecedores brasileiros nos oferecem em termos de tecidos, mais uma modelagem bem planejada pensando no nosso clima e também nas dicas valiosas que recebo dos clientes. Inclusive sempre peço esse feedback e procuro fazer algumas pesquisas para usar estas informações nas futuras criações. Já fui criticada por não fazer uma coisa ou outra, ou até mesmo de falta de criatividade por não fazer peças super elaboradas... Mas de que adianta fazer obras de arte que na prática ninguém irá usar? Isso foi mais no início, acredito que agora as pessoas já entenderam a minha proposta em relação a peças mais usáveis, e que criatividade mesmo é adaptar todas as referências alternativas que temos para fazer roupas para o nosso contexto e nosso dia a dia.

@handmadebyraven Como são estudadas as modelagens? Tem modelos de prova? Qual a amplitude de grade de tamanhos da marca? Os corpos têm variedades de formas além de tamanho, alguns com mais ou menos busto, outros com mais ou menos quadril, além de alturas... não só em corpos gordos, como tbm os magros, isso é pensado na hora de criar, mesmo sabendo que é difícil pensar em todas as possibilidades? 
Inicialmente temos uma modelagem padrão com 8 tamanhos baseados na antropometria que parametriza uma média das medidas corporais. Isso é antigo e é o que usamos para a modelagem, e a maior parte das pessoas se encaixa aqui, salvo algumas exceções. Mas sabemos que é impossível padronizar, devido às diversas variedades corporais que possuímos, mais o advento de silicones e corpos modificados por musculação. De certo, temos o sob medida, onde a roupa é feita para cada corpo respeitando suas proporções. Como já temos uma modelagem padrão sempre a usamos como base na criação de novos modelos, sendo assim, nas provas de novas peças observamos mais a parte de caimento, conforto, recortes e demais detalhes. Algumas peças são feitas várias vezes até ficar como deveria, algumas são eliminadas e outras transformadas em relação ao desenho original, a modelagem acaba sendo a verdadeira criação do modelo.



@vultuspersefone Qual a motivação para fabricar roupas plus size? O que você acha do crescimento atual que tem havido com peças "sob medida"? Você acha que essa disponibilidade de fazer peças sob medida (que aliás, vejo como um bom retorno ao passado) fideliza ou amedronta as clientes (por terem medo de revelar medidas etc)? Sai realmente mais caro criar peças para plus size ou dá quase a mesma coisa?
Bom, a motivação é a mesma que tenho ao criar todos os produtos, tenho muito amor pelo que faço, e me sinto muito feliz ao saber que meu trabalho é útil e que pode levar bem estar para outras pessoas. Estou particularmente feliz com o aumento das clientes plus, o que mostra que estão perdendo o medo de usarem as roupas que desejam, e estão se amando mais, e se importando menos com o preconceito alheio. Acredito que isso abre cada vez mais o caminho pra outras garotas perderem o medo e se aceitarem como são. E não sai mais caro fazer peças plus size, como explicado em resposta anterior.


Oriana Bats Algumas marcas, apesar de terem seção plus size, tem pouca variedade de modelos, são peças praticamente iguais entre si, bem simples na modelagem. Você saberia dizer porque isso ocorre? Seria talvez um desconhecimento sobre este público e as possibilidades da modelagem?
Acredito estar relacionado ao medo que as próprias clientes tem em relação ao usar roupas mais justas, mostrar o corpo,  e todo aquele preconceito que já conhecemos  sobre “gordos terem que usar roupas tipo saco” pra não marcar... E também a falta de criatividade e noção de modelagem dos empresários em alguns casos. Mas acredito que isso está mudando principalmente em relação às garotas alternativas que são mais corajosas, e querem sim mostrar suas curvas e tattoos. Todas as mulheres são belas como são, algumas só precisam descobrir isso.



Carolina Você é do meio plus size? Se não, o que a inspirou a confecção de peças para esse nicho? Há estudo pra confeccionar as peças para esse público?
Não sou plus size, uso M, mas sou modelista, o que amplia minha visão sobre as roupas e os corpos, são apenas tamanhos diferentes, e não crio modelos específicos para o plus size, crio peças que acredito que podem ser usadas em todos os tamanhos, não há mágica nisso apenas estudo de proporção corporal, antropometria e matemática. A modelagem por outro lado é sim algo mágico, é um processo criativo, uma mistura de técnicas com instinto e amor, muito amor. É fazer em 2D imaginando em 3D. Ou direto em 3D como na técnica de moulage. Não tem receita totalmente pronta, só as bases de estudos para a modelagem e muita tentativa e erro, e a partir disso cada modelista desenvolve uma forma de trabalhar e de se expressar. E sobre trabalhar com esse nicho, acredito na igualdade dos mesmos direitos a todas as pessoas, e como designer de moda, minha primeira função é solucionar problemas em relação a roupas e identificar nichos que não estão sendo atendidos. Portanto, o que estiver ao meu alcance em relação a minha profissão para tornar a vida das pessoas melhores, com certeza eu o farei.

Moda de Subculturas: Finalizando, há algo mais sobre esta experiência que queira nos contar que não foi perguntado? (espaço livre!)
São tantas coisas que não saberia por onde começar. Mas acredito já ter falado o principal nas respostas, e me coloco à disposição para qualquer um que queira saber mais ou sanar outras dúvidas pelo e mail nivialarentis@darkfashion.com.br, ou podem me adicionar no face (Nivia Larentis), como preferirem, fico grata em poder dividir o pouco que aprendi até hoje.
E pra fechar, acredito nas pessoas e em um mundo melhor, e isso só acontecerá o dia em cada um fizer a sua parte, sendo o melhor no que faz, não importando se você é designer de moda, médico, professor, mãe ou entregador de panfletos.... Todos nós somos especiais, e se cada um der o seu melhor teremos uma vida e um mundo melhor. Pois a verdadeira felicidade é fazer outras pessoas felizes, e que maneira melhor de fazer isto se não através do nosso trabalho?



Depois dessa fala maravilhosa da Nívia não tenho palavras pra finalizar o post, então deixo aqui os links pra vocês acompanharem a marca.
E digam o que acharam da entrevista!




Créditos
Modelos: Cintia Gunner e Sara Seibert
Maquiagem e Cabelo: Dani Pellá
Fotos: Gilce Galvão



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4 comentários:

  1. Eu achei essa entrevista maravilhosa!
    Gosto de conversar com a Nivia por ela ser muito profissional e estudada! Quando fiz as perguntas, fiz me estabelecendo no padrão que já conheço da Dark Fashion, que pra mim é a loja ideal! Qual não foi minha surpresa quando vi que a entrevista era com a própria Nivia! Hahaha!

    Fico feliz em poder participar e de ter a Nivia e essa visão maravilhosa da Dark Fashion como parceiras, é muito bom ver uma loja profissional como essa pensando nos diferentes tamanhos de mulheres. Adorei!

    Beijoooo!
    www.vultuspersefone.blogspot.com

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    1. Ela é ótima! Entende os processos todos de fabricação de uma peça de roupa. Sou fã!
      Agradeço muito sua participação na entrevista!!
      Bjs ♥

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  2. A Dark Fashion só não ama quem não conhece a loja hahah Nivia sempre muito maravilhosa <3
    Sempre desconfiei que pra fazer peças maiores não tem diferença se comparada as pequena, talvez pelo fato de gastar mais tecido, então foi bem esclarecedor saber que não é bem assim! Agora estou achando que lojas que cobram a mais nas peças plus além de falta de conhecimento, agem de má fé, já que meio que existe de aquilo de: "você gorda não tem muitas opções, então é obrigada a pagar aquilo que pedimos" então aproveitam extorquir a cliente... lastimável! Espero que mais pessoas se inspirem nas palavras da Nivia!
    Linda entrevista! <3 bjooo!

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    1. Verdade Nay!!
      Como a Nívia comentou, com estudo e conhecimento não há necessidade de cobrar a mais de ninguém, o gasto deve ser distribuído entre todo processo de confecção. Esperamos que as mudanças venham!
      Bjs! ♥

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