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10 de abril de 2017

Os padrões eurocêntricos de beleza e a moda alternativa/subculturas

Sempre me interessei pelo tema do etnocentrismo, principalmente ligado à moda. Como professora de adolescentes, seguidamente peço aos alunos pra que façam uma pesquisa rápida de imagens no Google com o tema “beleza clássica”. Vale a pena dar uma olhada. Seguem algumas imagens.

Liz Taylor
Audrey Hepburn / Brigitte Bardot

Audrey Hepburn, Brigitte Bardot, Liz Taylor, entre outras, sempre vão figurar como ícones de beleza clássica, cânones do que consideramos como mulheres belas. Bem, o que todas elas tem em comum? São brancas e possuem os cabelos lisos, ou no máximo, ondulados (como mandava a moda da época). Trazendo este padrão para os dias atuais, podemos acrescentar que estes padrões trazem modelos cada vez mais magras como um ditame a ser seguido.

Etnocentrismo é isso: quando um padrão físico muito específico (pele branca, cabelos lisos, ser alta e magra) é ditado como regra ÚNICA de beleza, ou seja, tudo que foge a este estereótipo é taxado como não belo, feio, estranho, esquisito. Uso também o termo específico “eurocentrismo” para designar este padrão, uma vez que são estereótipos europeus de beleza.
É claro que este eurocentrismo não está apenas nos padrões de beleza: é apenas mais um veículo de propagação deste sistema de ideias. O eurocentrismo se manifesta na maneira como geralmente enxergamos o mapa mundi (a Europa no centro é a representação planisférica mais comum do planeta, embora seja apenas mais UMA maneira de representar), como enxergamos e reproduzimos estereótipos sobre outros países e continentes que não a Europa ou Estados Unidos. É uma construção intelectual muito antiga, que remonta ao colonialismo europeu do século 16, que envolve a chegada e conquista da América e do nosso Brasil.


No século 16 a “desculpa” para a conquista de novos territórios era a catequização dos povos nativos, os indígenas, que segundo a lógica eurocêntrica, eram bárbaros, incivilizados, subdesenvolvidos e os europeus seriam os responsáveis pela sua salvação. No século 19, quando a desculpa religiosa não cabia mais, a ciência da época justificava o domínio europeu sobre a África e a Ásia defendendo uma falsa superioridade europeia sobre estes povos, que não por acaso, tinham a pele escura e seriam então “civilizados” pelos europeus, que fariam este grande favor a humanidade (tem ironia aqui, certo pessoal?).
Não precisamos ir muito longe para saber que essas ideias racistas, tidas como ciência na época, iriam nos levar ao nazismo e a outros genocídios no século 20, e sobrevive até hoje como ideologia de grupos extremistas, que carregam orgulhosamente a bandeira do eurocentrismo, inclusive no Brasil.

 Imperialismo: mapa da partilha da África entre as nações europeias


Imperialismo
O que tudo isso tem a ver com a estética alternativa? Bem, até meados dos anos 1960 o padrão eurocêntrico era o único aceito como “belo”, podemos tirar uma febre pelas atrizes citadas acima. A partir do surgimento da subcultura dos hippies, e posteriormente dos punks, estes grupos vão resgatar em sua estética alguns elementos dos grupos que foram dizimados pelos europeus na época da colonização e do imperialismo, especificamente das culturas indígenas.
Dos hippies podemos notar em suas vestimentas as influências claras das culturas indígenas norte-americanas, como as estampas coloridas, as roupas com franjas e acessórios com penas, fibras naturais e sementes. A ênfase que essa subcultura dava ao artesanato e ao “faça você mesmo” também retoma aspectos das culturas indígenas pré-colombianas.
Não houve apenas um ressurgimento da estética indígena, mas das suas religiosidades também. Os hippies buscaram uma quebra com a religião tradicional de seus pais, cristãs, e se apropriaram de uma religiosidade xamânica ou oriental, todas elas pré-colonização. A popularização dos filtros dos sonhos, um clássico na subcultura hippie, advém dessa retomada: seus poderes mágicos “filtrariam” os sonhos ruins daquele que o portasse.


Os punks tem como um dos seus símbolos mais fortes os cabelos moicanos, que possuem esse nome pois se referem ao povo indígena dos moicanos (mohawks, no original), um dos povos que mais resistiu ao colonizador europeu. Por esse motivo, os punks incorporam este corte como símbolo de resistência.



Por último, as subculturas incorporaram as tatuagens ao seu repertório. Por que as incluo aqui? Porque segundo a “pseudo-ciência” racista do século 19, tatuagens e modificações corporais seriam as marcas usadas por criminosos para se identificarem. Essa é uma afirmação racista também visto que tatuagens e modificações corporais eram muito utilizadas por povos nativos, tanto na América, como na Ásia e na África, e foram brutalmente condenadas pelo colonizador europeu. É uma pena ver que ainda tem gente que pensa que tatuagem é coisa de criminoso (ver pintura de Debret abaixo, caracterizando os “tipos estranhos das Américas”).

Modificações Corporais:
"Diferentes Nações Negras", de
Jean Baptiste Debret.


"Indígenas", pintura de Jean Baptiste Debret retratando os indígenas do Brasil.


Concluindo: algumas subculturas desconstroem os padrões de beleza etnocêntricos, sendo muitas vezes essa a sua razão de ser. Entretanto, ainda vemos alguns editoriais de moda alternativa que seguem fielmente o padrão de modelos brancas, magras e altas, embora isso venha mudando nos últimos tempos. Mais lamentável ainda é vermos alternativos sendo racistas, gordofóbicos e preconceituosos de maneira geral: me parecem que não compreendem suas próprias subculturas.



Autora: 
Nandi Diadorim. Historiadora e professora na rede municipal de ensino no Rio Grande do Sul. Guitarrista em uma banda de punk rock. Cachorreira, gateira, vegetariana, feminista... em suma, a incomodação em pessoa.





Artigo de Nandi Diadorim em colaboração com o blog Moda de Subculturas. É permitido citar o texto e linkar a postagem. É proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo aqui presente sem autorização prévia do autor. É proibido a cópia da ideia, contexto e formato de artigo. Plágios serão notificados a serem retirados do ar (lei nº 9.610). As fotos pertencem à seus respectivos donos; a seleção e as montagens das imagens foi feita exclusivamente para o blog baseado na ideia e contexto do texto.


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14 de março de 2017

Capitão Fantástico, a subcultura hippie e a “vontade de fugir daqui”

No último fim de semana, assisti ao filme Capitão Fantástico. Para não entrar muito em detalhes e acabar dando spoilers para quem ainda não viu (visto que é um filme que estreou no cinema há pouco tempo), vou colar aqui uma breve sinopse que retirei do site Wikipédia:

Em meio à floresta do Noroeste Pacífico, isolado da sociedade, um devoto pai dedica sua vida a transformar seus seis jovens filhos em adultos extraordinários. Mas, quando uma tragédia atinge a família, eles são forçados a deixar seu paraíso e iniciar uma jornada pelo mundo exterior - um mundo que desafia a ideia do que realmente é ser pai e traz à tona tudo o que ele os ensinou”.


Quem assistiu e curtiu o filme Na Natureza Selvagem, de 2007, com certeza irá gostar muito de Capitão Fantástico. Eu definiria este último como uma espécie de continuação do primeiro. Bom, vou parar por aqui senão vou falar demais e estragar o filme para quem ainda não viu, mas posso dizer que são filmes que levantam questões muito interessantes, como a busca do “eu” em meio à sociedade de consumo.

Na Natureza Selvagem (2007)  


Capitão Fantástico (2016)

Um tema muito caro para várias subculturas é justamente o sentimento de não se encaixar nesta sociedade, estar deslocado, ser um estranho neste planeta. Frequentemente, a maioria das pessoas não entende seu estilo de vida, observam-te com preconceitos, fazem piadas e, em alguns casos mais graves, partem até para violência física. Ou seja, às vezes, você literalmente tem vontade de “sumir” do mundo. Alguns lidam bem com esse estranhamento vindo dos outros (confesso que teve época em que eu achava até engraçado), outros não. Neste caso, não me refiro apenas ao preconceito estético, mas também à intolerância em relação às suas ideias e visões de mundo; intolerância e preconceito estes que, muitas vezes, vêm da sua própria família. Este tema é bem abordado no filme, o que nos impulsiona à reflexão.

Capitão Fantástico e o estranhamento... 

Além disso, um tema comum nos dois filmes é o projeto para viver um novo estilo de vida, uma sociedade alternativa, bem ao estilo da subcultura hippie. Embora nenhum dos dois filmes fale diretamente sobre esta subcultura, é fácil encontrar elementos dela, como, por exemplo, a busca por uma vida na natureza, a fuga da sociedade de consumo, a construção e a criação de todos os objetos necessários à sobrevivência, a obtenção natural de alimentos (por meio do cultivo e da caça), além de viver de acordo com as suas crenças mais profundas.

Na Natureza Selvagem: a sobrevivência em meio à natureza

Embora tenham muitas semelhanças, elas param por aí, porque Na natureza selvagem fala sobre uma história real (recomendo muito o livro que deu origem ao filme, de mesmo nome, escrito por Jon Krakauer) enquanto Capitão Fantástico é uma história ficcional. Quanto às questões estéticas, Na natureza selvagem é bem mais amenizado na comparação, embora tenha alguns elementos chaves na história, como, por exemplo, o cinto usado por Chris, que representa uma linha do tempo de sua própria vida e da sua jornada em meio à natureza.


Já Capitão Fantástico apresenta uma estética bastante alternativa, com uma exteriorização do estranhamento dos personagens em relação ao que é considerado “normal”. O visual das irmãs mostra claramente uma influência hippie:

Em suma, os dois filmes são claramente influenciados pelos escritos de Henry David Thoureau (1817 – 1862), célebre escritor norte-americano, ícone da não-violência, do anarquismo do século XIX e da volta à natureza. Só para ilustrar, a abertura do texto clássico “A desobediência civil” é uma crítica aos governos instituídos:
Aceito com entusiasmo o lema “O melhor governo é o que menos governa” e gostaria que ele fosse aplicado mais rápida e sistematicamente. Levado às últimas consequências, este lema significa o seguinte, no que também creio: “O melhor governo é o que não governa de modo algum” e, quando os homens estiverem preparados, será esse o tipo de governo que terão. O governo, no melhor dos casos, nada mais é do que um artifício inconveniente (...).
 
Em resumo, o trecho fala da inutilidade do Governo na vida dos cidadãos e explora a ideia de se viver independente dos governantes, pois estes tiram as liberdades básicas das pessoas; além de desobedecer às regras impostas pela sociedade. Em outro livro, Walden ou "A vida nos bosques", podemos ler o seguinte trecho:

       “Fui para os bosques porque pretendia viver deliberadamente, defrontar-me apenas com os fatos essenciais da vida e ver se podia aprender o que tinha a me ensinar, em vez de descobrir na hora da morte que não tinha vivido. Não desejava viver o que não era vida, a vida sendo tão maravilhosa, nem desejava praticar a resignação, a menos que fosse de todo necessária. Queria viver em profundidade e sugar toda a medula da vida, viver tão vigorosa e espartanamente a ponto de pôr em debandada tudo que não fosse vida, deixando o espaço limpo e raso; encurralá-la num beco sem saída, reduzindo-a a seus elementos mais primários, e, se esta se revelasse mesquinha, adentrar-me então em sua total e genuína mesquinhez e proclamá-la ao mundo; e, se fosse sublime, sabê-lo por experiência, e ser capaz de explicar tudo isso na próxima digressão. Porque me parece que muitos homens estão terrivelmente incertos, sem saber se a vida é obra de Deus ou do demônio, e têm concluído com certa sofreguidão que a finalidade principal do homem aqui na terra é "dar glória a Deus e gozá-lo por toda a eternidade."

No fragmento acima, o autor defende a ideia de viver a vida de uma forma mais natural, em meio à natureza, longe dos governos e da sociedade de consumo, onde as pessoas poderiam ser quem elas realmente são, sem máscaras. Em síntese, é a mesma abordagem que os dois filmes citados defendem.

Enfim, encerro com a bela música de Eddie Vedder, Society, escrita para o filme Na natureza selvagem, que define bem o clima da produção:




OBS: Tanto a Desobediência civil como Walden são obras de domínio público e podem ser acessadas livremente pela internet.







Autora:
Nandi Diadorim. Historiadora e professora na rede municipal de ensino no Rio Grande do Sul. Guitarrista em uma banda de punk rock. Cachorreira, gateira, vegetariana, feminista...em suma, a incomodação em pessoa. 

Revisão textual: Valéria O´Fern



Artigo de Nandi Diadorim em colaboração com o blog Moda de Subculturas. É permitido citar o texto e linkar a postagem. É proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo aqui presente sem autorização prévia do autor. É proibido a cópia da ideia, contexto e formato de artigo. Plágios serão notificados a serem retirados do ar (lei nº 9.610). As fotos pertencem à seus respectivos donos; a seleção e as montagens das imagens foi feita exclusivamente para o blog baseado na ideia e contexto do texto.


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