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19 de abril de 2023

A estética futurista distópica do CYBERGOTH

 Os cybergoths borram a divisa futurista entre o artificial e o humano. O visual se utiliza de referências cyberpunks, ravers, rivetheads e fetichistas. Ao contrário dos góticos tradicionais que se inspiram na literatura de terror, eles buscam na ficção científica o cenário distópico do futuro da humanidade, arrasado por desastres nucleares, biológicos e vírus ameaçadores.




Em 1977 H. R. GIGER, um artista visual suíço, criou uma coleção de pinturas chamada Necronomicon, tais pinturas o inspiraram a criar em 1979 a criatura cinematográfica Alien. Suas pinturas e esculturas biomecânicas são consideradas por alguns como o primeiro conceito ‘cybergoth’.

Voltemos uma década antes quando o mundo vivia a guerra fria, as primeiras viagens espaciais e a ascensão do plástico. Em 1967 estreia o filme Barbarella com figurino futurista. Naquele momento roupas em plástico eram uma das maiores novidades da indústria do vestuário, uma verdadeira revolução.

Avancemos agora, até o ano de 1984 quando William Gibson, lança seu primeiro romance chamado ‘Neuromancer’, este estilo literário distópico passaria a ser conhecido como Cyberpunk. Confrontos sociais contra corporações ou governos; humanos com implantes robóticos marcam essa literatura. O cyberpunk como gênero literário acaba gerando uma subcultura homônima. O termo cybergoth é cunhado nessa época como título de um conto de Bruce Bethke escrito em 1980 e publicado em 1983, e só se torna conhecido após a publicação de Gibson.

É da década de 1980 também a popularização da música eletrônica e das raves. Os adeptos destas subculturas se vestiam com roupas estampadas e com cores vibrantes, se inspiravam em personagens de animes e usavam calçados com imensas plataformas.

Da música eletrônica surgirá também os Rivetheads, os ‘góticos industriais’ com seus trajes escuros e de influência militar. Já a cena Cybergoth se desenvolve na Europa conforme os DJs começaram a misturar rock gótico com música eletrônica. Gavin Baddeley em seu livro ‘Goth Chic – Um guia para a cultura dark’ (2002), diz que o surgimento do Cybergoth enquanto subcultura, não pode ter sido anterior a 1995, embora suas raízes possam ser traçadas no começo dos anos 1980. Desta forma, Cybergoth é uma subcultura que deriva do cyberpunk, raver, rivethead e gótico. Ouvem e dançam estilos musicais como eletro-goth, darkwave, synthpop/future pop, EBM, dark-electro e industrial.
 


No final dos anos 1990 são incorporadas as sonoridades trance, tecno e electro. Em termos culturais, filmes como Blade Runner, Metropólis e Matrix, os quadrinhos Tank Girl e os animes Ghost in The Shell e Akira, também os influenciam. Naquele período de final da década de 1990, os cybergoths contrastavam de forma extrema com os góticos românticos [veja este post em nosso Instagram].

Enquanto os góticos românticos se inspiravam no passado, romantizando o século 19, os cybergoths visavam o futuro e os resultados catastróficos dos avanços científicos para a humanidade, um futuro distópico pós apocalíptico, arrasado por desastres nucleares e biológicos através de vírus ameaçadores. A sociedade idealizada é militarizada, com ciborgues e androides e muitas máquinas. Tudo isso irá se refletir na escolha estética do vestuário da subcultura.

A Estética Cybergoth

Os góticos têm predomínio da cor preta no visual, já os cybergoths misturam o preto com cores fluorescentes por influência dos ravers e dos clubbers. A principal diferença entre os dois grupos é o marcante elemento futurista no cybergoth, com o uso de muito vinil (PVC) adornado com placas de circuito ou de aço, sugerindo que o indivíduo é parte de uma máquina. As roupas também podem sugerir que alguma cirurgia para implante de chip ou de circuitos foi implantada no corpo.




Outra marca estética é a presença de desenhos, faixas, cabelos e maquiagens em cores como rosa choque, laranja, roxo, verde e azul, sensíveis aos raios ultravioletas produzidos pelas blacklights dos clubes, que fazem todos esses elementos brilharem no escuro. Estas cores são usadas em detalhes, contornos e sobreposições com preto. O visual cybergoth é marcadamente tecnológico e artificializado. É o responsável por trazer cores – fortíssimas – à subcultura gótica. 




O Cybergoth não é um estilo menos feminilizado que o Romantic Goth ou menos sensual que o gótico fetichista devido aos elementos militarizados e rostos de mulheres ocultos por máscaras de gás ou respiradores as aproximando de androides, pelo contrário, a estética mantém as características estéticas de objetificação dos corpos femininos que existem em outros estilos góticos e alternativos. As roupas femininas possuem um grau de exibição corporal através do uso de saias curtas, acessórios de pelos e materiais brilhantes, característicos da moda fetichista presentes em espartilhos e lingeries, por exemplo. Nas imagens abaixo é possível observar como o traje masculino e o traje feminino mantêm os corpos masculinos cobertos e com peças confortáveis e os corpos femininos com peças mais restritivas e curtas, mantendo o padrão vigente na sociedade.



Uma das marcas de roupas que ajudou a lançar a estética cybergoth no mainstream foi a britânica Cyberdog fundada em 1994. Foi ela que ajudou a definir o visual quando produziu peças com listras reflexivas, detalhes em neon, bolsos secretos, vinil (PVC) em cores brilhantes e eletrônicos reais inseridos em camisetas.

Peça da marca Tripp NYC


No Canadá, a loja Plastik Wrap desenvolveu tecidos de alta tecnologia feitos para serem usados nas pistas. Outra loja que contribuiu para o visual foi a americana Manic Panic que produz ainda hoje tinturas de cabelo em cores neons e maquiagem que brilha no escuro. Também na América, a marca Tripp NYC oferecia calças bondage e/ou de pernas largas com detalhes neon para os homens. A cor preta predomina como base para as cores brilhantes, bastante evidente nas camisetas pretas com estampas fluorescentes de símbolos de desastres químicos e biológicos. O preto também  remete ao militarismo, é a cor dos governos totalitários fascistas de meados do século 20.

Macacão da loja Cyberdog, desenhada pelo proprietário da marca,
explora referencias de ficções científicas intergalácticas.


Sobre os acessórios, eles são bastante exagerados tendo referência em animes ou romances de ficção científica. Ambos os sexos fazem uso dos mesmos acessórios: gargantilhas, correntes, algemas, adornos de cabelo sintéticos - que são uma característica marcante. Assim como as ‘furry leg warmers’ polainas peludas. Equipamento militar falso, botas de plataformas altíssimas, goggles (óculos de proteção) e máscaras de gás ou médicas: tudo pode ser adornado com grandes spikes, remetendo à agressividade e distanciamento social.


As botas cybergoth costumam ter saltos altos e plataformas;
canos altos e placas personalizáveis. Esta da marca Demonia 
possui detalhes refletivos na cor rosa.


Principais Elementos da Moda Cybergoth

CYBERLOX, também conhecido como “tubular crin”, é uma extensão de cabelo artificial que remente à animes e personagens de ficção científica. Fitas são costuradas em formatos tubulares disponíveis em diversas cores e tamanhos. Podem ser costuradas nos falls.

FALLS, também chamados de ‘dread falls’ ou ‘synthetic falls’. São a característica mais marcante do estilo Cybergoth. Recebem esse nome pela forma que ‘caem’ da cabeça. São extensões aplicadas ao cabelo, sendo cabelos naturais, sintéticos ou materiais como lã ou tubos de plástico em cores neon ou sensíveis à luz ultravioleta (UV). Podem ser embaraçados como os dreads.

DREADS ou ‘dreadlocks’ é o processo de emaranhar o cabelo de forma que eles pareçam cordas. Vistos comumente em adeptos do Rastafari. Os Cybergoths o usam em material sintético e em cores brilhantes.




SYNTHDREADS ou ‘dreadlocks sintéticos’, são extensões de rabo de cavalo em cores brilhantes.

MEIAS CALÇAS, se os góticos asusam na cor preta, os Cybergoths as preferem em tons neon.



ÓCULOS DE PROTEÇÃO mais conhecidos pelo nome de GOGGLES, não são usados nos olhos mas na testa. Vários modelos são estampados com símbolos de desastres nucleares ou biológicos e podem receber adesivos ou spikes através da customização.




MÁSCARAS possuem influência de anime e mangá. Podem ser customizadas com spikes, pinturas e símbolos. De acordo com o site Gothic Fest as máscaras de gás são uma simbologia a um futuro apocalíptico, de fim dos tempos alinhado à perigos de radioatividade e risco biológico. A imagem cyber com máscaras foi bastante comentada durante os anos de pandemia de Covid-19, tendo virado até meme.



Meme surgido em março de 2020.


LENTES DE CONTATO em tons de olhos artificiais (como branco) ou com desenhos (símbolo de risco biológico, caveiras, estrelas, círculos), oferecem um visual robótico e artificial.


POLAINAS DE PELOS: chamadas em inglês de FURRY LEG WARMERS, são feitas de pelos sintéticos coloridos ou estampados (por exemplo em listras) vestidos por cima das botas e tem sua origem na cena raver europeia.



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12 de março de 2023

A história da subcultura Blitz Kids / New Romantics

 Em 1978, os primeiros punks começam a perder o interesse na cena na medida em que a subcultura ia tomando novas formas com a chegada dos adeptos da classe trabalhadora...



... Isto abre caminho para que surja outro movimento jovem, posteriormente conhecido mundialmente como "New Romantics". Estes jovens tinham background punk, apreciavam exibicionismo e deram início a um movimento alternativo com foco no vestuário.



Toda terça à noite num bar chamado Billy´s, localizado no porão de um clube chamado Gossips, um grupo de estudantes da Central Saint Martins College of Art, incluindo punks da primeira geração e fãs de soul, se uniam para a chamada “Bowie Night”, organizada pelo ex-punk, cantor e hostess Steve Strange e o DJ Rusty Eagan. A noite acontecia sem muita divulgação, atraindo cerca de 50 jovens excêntricos obcecados por glamour, num momento em que Londres vivia uma época de vacas magras e descontentamento econômico.

Em fevereiro de 1979, a “Bowie Night” se muda para um local chamado Blitz, em Covent Garden, num bar decorado com pôsteres da segunda guerra mundial onde os frequentadores gostavam de imaginar que o local reproduziria a Berlin da república Weimar (período anterior ao regime nazista) mostrada nos filmes Cabaret e O anjo Azul. A festa se mantém nas terças-feiras, o som era eletrônico com Kraftwerk e Giorgio Moroder além de muito Bowie na trilha sonora, que deu à festa o apelido do cantor. Steve Strange, vestido como pierrô ou com um casaco imitando a Gestapo, controlava a porta. Só entrava quem estava extravagante e pavoneamente vestido, caracterizando a partir daí, o que se tornaria uma subcultura focada em estética - mais do que outra coisa - os clientes do Blitz não queriam apenas dançar e sim, exibir seus visuais.


Havia atração por trajes exóticos, um ecletismo sem regras que ia desde a inspiração nos revolucionários franceses do século 18, passando pelo romantismo e indo até o Glam de David Bowie, só que tudo isso misturado. Esse era uma aspecto interessante no grupo: o interesse por moda histórica, buscando referencias ora barrocas ora vitorianas, mas sempre atualizados para a época em que vivam. Além disso, outra característica marcante eram as estéticas com androginia e cross-dressing, realçados através de maquiagem.

Com a exigência de um visual chamativo, os jovens se viravam em criar seus próprios trajes, fossem eles vindo de bazares de caridade, desmontados, customizados, costurados e recriados pelos estudantes de moda que frequentavam o local. Além de estilistas, os frequentadores do clube queriam ser cantores pop, escritores, fotógrafos, maquiadores, cineastas... Por isso a escolha de andar como obras de arte ambulantes. Para eles a palavra "poser" não era um xingamento, era um orgulho, ser um dândi, ter a preocupação com a aparência acima de todas as coisas era a lei, fosse num visual vitoriano, num retrô de 1930 ou no simples uso de tecidos extravagantes.



Alguns de seus frequentadores eram o DJ Jeremy Healey, a cantora Sade; Karen Woodward do grupo Bananarama; a modelo e DJ Princess Julia. Gery Kamp e Tony Hadley músicos da banda Spandau Ballet; Martin Degville e Tony James da Sigue Sigue Sputnik; Jeremy Healy da Haysi Fantayzee; os cantores Billy Idol e Peter “Marilyn” Robinson, Theresa Thurmer, Melissa Kaplan, Isabella Blow. Estilistas que se tornariam famosos como o chapeleiro Stephen Jones e o professor universitário Iain R. Webb. Mas talvez um dos mais famosos seja Boy George, personagem marcante pela adoção de estereótipos estéticos de feminilidade.


O grupo se autoproclamava o “cult with no name” ou “o culto sem nome”, embora tenham recebido nomenclaturas como New Dandies, Romantic Rebels e Blitz Kids, uma matéria na revista Sound os chamou de New Romantics - associando-os ao new wave e o culto a poetas românticos, este foi nome que pegou popularmente. Com a atração midiática, o próprio David Bowie visita o clube e seleciona parte dos frequentadores para participar da filmagem do clipe da música “Ashes to Ashes” lançada em agosto de 1980. Na época, os Blitz Kids procuram um novo som para representá-los e adotam sintetizadores, isso pode ser ouvido nas bandas Visage, de Steve Strange, na Spanadu Ballet e na Ultravox.



O movimento acabou tornando-se vítima do próprio sucesso, o clube fecha em outubro de 1980 quando as bandas Spandau Ballet e Visage lançam seu primeiros singles, "To cut a long story” e “Fade to Gray”. Logo, as bandas synth pop associadas ao new wave como Bananarama, Yazoo, Blancmange, Thompson Twins, Frankie Goes to Hollywood e o Culture Club de Boy George entraram nas paradas de sucesso do Reino Unido e do mundo.


Em 1981 Steve Strange abre outro clube, o Club for Heroes hospedando festas nas terças e quintas. Naquele mesmo ano, a estilista Vivenne Westwood lança sua The Pirate Collection – Clothes For Heroes, de atitude rock e inspirada nos revolucionários do século 18. Trazia peças que lembrava uma espécie de “pirata romântico” sendo um dos modelos o cantor Adam da banda Adam and the Ants que fazia um som mais guitarra do que sintetizador, tendo a música “Prince Charming” se tornado o mantra do movimento que naquele ponto que já havia se tornado uma festa a fantasia onde todos estavam convidados. Steve Strange ainda abriria o clube Hell, com festas nas noites de quinta-feira no Mandy's Club, na Rua Henrietta em Covent Garden, trabalhando com Boy George.



Pelo estudo em arte, os Blitz Kids possuíam a atitude de quebrar barreiras estéticas e comportamentais, colocando o visual conceitual típico de passarela nas ruas. Estilo era a substância e ser poser significava ser verdadeiro ao movimento. A subcultura começa a desaparecer em 1981, mas deixa de herança além do Synth Pop, o poder da moda, da estética como autoafirmação da criatividade.

Os trajes influenciados por períodos históricos, especialmente a moda romântica do século 18 e 19 com a imagem do dândi decadente, as camisas de poeta (com gola V, babados e rendas), ombros marcados, peças soltas, longas saias e maquiagem de forma livre, se refletiram num desfile realizado por Stephen Linard sob o tema "Neon Gothic". Os amigos de clube posavam como modelos mortalmente pálidos, com roupas de inspiração vampiresca e acessórios religiosos.



Quando os Blitz Kids foram absorvidos pela cultura jovem mainstream, surge a necessidade de um novo movimento underground. Assim, em 1982, no mesmo prédio onde dois anos antes ocorriam as festas “Bowie Nights”, surge o Batcave nas noites de terça-feira, hospedado pela banda Specimen e que receberia a transformação destes jovens apreciadores de androginia, maquiagem e teatralidade histórica que foi grande influência para artistas de bandas como Siouxsie & The Banshees, The Cure e The Damned, que herdaram dos Blitz Kids a liberdade de expressar suas individualidades de forma única e através da música que produziam. Os Blitz Kids trouxeram o vestuário exuberante, o Punk trouxe o niilismo, o Glam a recusa em aceitar as regras tradicionais, estes três elementos unidos ao interesse no “lado negro” convergiram no Batcave nos primórdios do que viria a ser a cena gótica musical que se tornava mais orientada para a estética, começando ali o diálogo entre gótico e moda que persiste fortemente ainda hoje.



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6 de dezembro de 2021

Subcultura: Sapeurs de Brazzaville

Há mais de uma década, os Sapeurs viraram os queridinhos do mundo da moda e o bairro de Brazzaville, capital da República do Congo, virou o destino dos fotógrafos interessados em registrar essa subcultura. Não é por menos, os Chapéus podem pagar até 4.500 dólares em roupas de grifes europeias, como Dior, Jean Paul Gaultier, Armani, Kenzo, Gucci, Versace.



Metade da população do Congo vive na pobreza. Em uma cidade pobre como Brazzaville, o propósito é montar o look de forma a parecer rico. Os Sapeurs preferem vestir-se bem a comer bem. Economizam por anos, fazem empréstimos para comprar suas roupas de luxo. Podem emprestar roupas entre si e até comprar peças sob medidas de Boutiques da cidade. Criatividade é importante, ternos e smokings são coloridos e monocromáticos, a inspiração é nos dândis. 





Os sapeurs são da classe trabalhadora: policiais, costureiras, alfaiates, donas de casa, carpinteiros que precisam administrar bem o salário, por isso que no cotidiano usam as roupas comuns. As roupas extravagantes eles usam em seus encontros e para animar as ruas, onde são respeitados. Faz parte ter um comportamento delicado, educado e atencioso. 






Sapeurs vem de SAPE, “Societé des Ambianceurs et des Personnes Elegantes” (Sociedade de Criadores de Ambiente e Pessoas Elegantes), Há quem diga que a sigla na verdade vem do termo francês "sapes" (trapos), devido a origem da subcultura. 



Como começou? 

O estilo começou como uma emulação. Na década de 1920, quando os franceses chegaram ao Congo, trouxeram junto o mito da elegância parisiense, empregados domésticos desdenhavam das roupas usadas que recebiam dos patrões e passaram a usar seus míseros salários para adquirir roupas vindas de Paris imitando os patrões de forma exagerada. O estilo também era adotado por congoleses que passavam um tempo na França, estudando e ao retornarem ao Congo, mantiveram os trajes. 

Em 1960, o Congo conquista sua independência. Na década de 1970, o então presidente Mobutu Sese Seko passou a evitar todas as coisas ocidentais e baniu o terno, pedindo que as pessoas usassem roupas nacionais congolesas tradicionais. Jovens se incomodaram e passaram a usar o estilo sapeur de forma ainda mais extravagante, com regras de vestimenta (por exemplo, no máximo três cores ao mesmo tempo) e fazendo competições de elegância. Ainda na década de 1980, os sapeurs podiam ser banidos dos espaços públicos. 




Mulheres 

Existem mulheres que adotaram o estilo. Apenas no ano de 2010 o primeiro grupo feminino foi estabelecido, são chamadas de “Les Sapeuses”. Assim como em outras sociedades patriarcais, os papéis de gênero (comportamentos atribuídos ao sexo) foi o que impediu por muito tempo que as mulheres se sentissem confortáveis de participar da subcultura. 


Cuidar dos filhos e da casa, não ter liberdade de expressão são papéis de gênero impostos às mulheres. Desta forma, a adesão delas ao estilo foi através da persistência de serem aceitas. Sim, os homens teriam de aceitá-las. Assim como nas sociedades ocidentais (e talvez da maior parte do mundo), as mulheres precisam de concessão dos homens para estarem presentes em diversos ambientes da vida em sociedade. O machismo impediu as mulheres de fazerem parte da subcultura e elas só conseguiram por pressão. Com muitas petições, as mulheres exigiam o direito de serem sapeuses. 




Os grupos masculinos resistiram sob a alegação que não era apropriado mulheres se expressarem da mesma maneira que os homens. A solução foi elas criarem grupos exclusivos pra o sexo feminino, o que abriu as portas para que mais mulheres participassem da subcultura, pois se sentiam mais seguras e confortáveis num ambiente com outras mulheres. Os homens se sentiram pressionados: ou resistiam aos grupos femininos ou permitiam a participação delas. Após 90 anos de existência do estilo, em 2010, eles decidiram aceitar as mulheres. Uma grande conquista das mulheres numa sociedade em que não podem se expressar plenamente. As sapeuses também podem gastar milhares de dólares numa peça de moda grifada e vestem roupas tão sofisticadas como a dos homens e podem incluir algum detalhe local, como ráfias. Como ocorre em outras subculturas, a referência estética é masculina. 


Desta forma, as Sapeuses vestem ternos. E aqui abro um parênteses sobre a história das mulheres: “se vestir de homem” é uma estratégia utilizada por mulheres há milênios, como forma de adentrar em espaços proibidos à elas. Esta é uma estratégia milenar para ter acesso a ambientes masculinos, se vestir como eles é uma forma de romper uma barreira, uma tentativa de serem tratadas de forma mais 'igualitária'. Temos um exemplo muito conhecido desta estratégia que foi o das mulheres na subcultura heavy metal. Estes exemplos demonstram o poder da quebra de gêneros (estereótipos de comportamento ligados ao sexo), em que ambos os sexos poderiam - e deveriam - se vestirem como quisessem sem estarem presos à tais estereótipos. 







Segundo o antropólogo francês Remy Bazanquisa, Sape é uma consequência do intercâmbio cultural entre o Congo e a França iniciado no século 15 e perpetuado pelo colonialismo e ao longo das décadas teria sido uma forma de resistência colonial, ativismo social e protesto pacífico. 




Até que ponto os Sapeurs são de fato uma resistência colonial ao desejarem se vestir como os colonizadores, ativismo ou protesto pacífico eu não saberia opinar. O que percebo é que se sentem felizes neste processo. Se há um discurso político ao gastar 4 mil dólares numa peça de roupa, qual seria? Deixo com vocês e com os que estão envolvidos com estudos africanos essa análise. É um legado de imperialismo cultural, um legado pós-colonial?







Fontes: atualização em breve.


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Artigo original do blog Moda de Subculturas, escrito por Sana Mendonça e Lauren Scheffel. 
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