Destaques

20 de agosto de 2014

O Grunge e a Moda Masculina

Logo após a publicação do post sobre moda Grunge, sabíamos que haveria a necessidade de retornarmos ao assunto. Alguns detalhes ficaram de fora e queríamos analisar ainda mais esse período, do qual tem sido de grande influência atualmente.

Antes de esmiuçarmos a estética, gostaríamos de citar que foi feita parte das pesquisas do livro Kurt Cobain - A construção de um mito. Não o tínhamos usado como base no primeiro texto, e muitas coisas da qual havíamos descrito, foi confirmado. A leitura dele comprovou que nossas pesquisas estão no caminho certo, com pouquíssimos erros. Recomendamos o exemplar para os interessados no assunto. Ele será usado como referência neste texto, mais as análises pessoais.

Para começar, a gente relembra que o estilo Grunge era uma mistura de moda regional com elementos Punk. O estado de Washington tem entre suas características as baixas temperaturas, daí se entende o porquê do uso frequente de roupas de frio, como luvas, gorros, sobreposições, ceroulas por baixo de bermudas ou calças, casacos. A famosa camisa de flanela com estampa de xadrez vinha dos lenhadores canadenses e se popularizou pelos seguintes motivos: clima, fronteira entre os países e o trabalho com madeira. Aberdeen, cidade onde Kurt nasceu, tem como principal fonte de renda a produção madeireira. Inclusive o próprio pai do cantor trabalhava na indústria.

A camisa de xadrez era amarrada na cintura para quando esfriasse vesti-la novamente. 
A peça acabou virando modismo como vemos abaixo.

Foi comentado no outro post, que Neil Young pode ter sido grande referência na moda grunge. 
Reparem a camisa do músico e de Dave Grohl como são semelhantes

O Punk surgia por ser o gosto musical favorito deles. Isso não quer dizer que não se curtia metal, mas o punk de fato se destacou na influência. E assim como a música, havia a estética. Coturno, jaqueta de couro, correntes, cintos de ilhóses, all stars, jeans rasgados, camisa de banda ou com estampas satíricas, eram também vestimentas desses jovens.
As bandas grunge eram compostas por meninos pobres, eles não tinham dinheiro para comprar roupas novas - o que até se assemelha em parte ao período Punk. Mesmo depois de terem poder aquisitivo, também não havia o interesse de investir, já que eles não ligavam para isso e eram contra as produções exageradas do Glam Metal. Como bem disse na época James Trumam, editor-chefe da revista Details, “o grunge não é anti-moda, é sem moda”.

Observem que nessa imagem o visual do Nirvana estava mais pra Punk do que Grunge

Elementos da estética
O grunge é considerado a última subcultura de rebeldia a desconstruir a Moda. No século XXI, as modas alternativas que têm surgido apenas releem o que já foi criado. E com as estéticas alternativas sendo consumidas e comercializadas em massa pelas grifes mainstream, com o acesso à Internet, as ideologias foram substituídas por estéticas vazias de significado.

Na década de 90, a cena grunge desconstruiu a moda à seu jeito. Numa época em que tudo ainda era exagerado, eles usavam roupas baratas, duráveis e atemporais. Indo contra toda a estética chamativa e modista da década de 1980.
 
Sopreposições de blusas manga longa e curta: A alteração do clima entre 20º graus de diferença no mesmo dia pode ser a causa já que a manga longa protege os braços e o tronco recebe uma camada extra de aquecimento com o uso da camiseta. No caso específico de Kurt Cobain, ele vestia por frio e por vergonha do corpo magro, numa tentativa de disfarce.


Camisetas de bandas ou com estampas satíricas: A primeira era usada muitas vezes como divulgação de bandas ignoradas pela mídia mainstream. A segunda eram provocações tanto à mídia quanto à sociedade retrógrada. Ideias vinda dos punks.

Semelhança: Johnny Ramone com camiseta do golfinho Flipper e Cobain em referência a banda punk

Eddie Vedder e Mark Arm

Kurt com camisetas dos Stooges e Hole. Assim como a banda de sua esposa, Courtney Love, o músico abria espaço para grupos femininos divulgando as por meio de blusas, entrevistas e aberturas de shows do Nirvana.

Na capa da Rolling Stone, Kurt satiriza a publicação com a frase: "Revistas corporativas ainda são um saco"

Correntes laterais e cintos de ilhoses: elementos do movimento Punk.

Kurt adorava usar correntes nas laterais das calças

Influência: cinto de ilhós em Joey Ramone e Krist Novoselic

Casacos e jaquetas curtas ou longas, de couro, flanela, lã, jeans, militar, cardigãs, suéteres, paletós: Eram vestidos para espantar o frio. Poderiam ser usados com camiseta por baixo ou como sobreposições.




Jeans: rasgados ou com emendas, ou cortados para virarem bermudas, lembra o "faça você mesmo" do Punk. Eram também usadas jardineiras do mesmo material.

Calças e bermudas rasgadas ou customizadas

 Layne Stanley e Dave Grohl com jardineiras

Bermudas jeans/cargo/largas: As bermudas iam desde as calças jeans cortadas, até bermudas de moletom e de tecido. Independente do material, o formato delas era largo e quadrado.


Com a evolução do estilo e influência da moda skate, os modelos cargo se tornam mais comuns tanto nas bandas grunge quanto em outros estilos musicais dentro do rock.


Bermudas/Ceroulas curtas: em algodão fino, com elástico no cós, em estampas de listra ou xadrez podendo ser usadas com ceroulas longas por baixo. Aliás, essas próprias bermudas podem ser ceroulas curtas, conhecidas no Brasil como "cuecas samba canção".



Ceroulas: esta é uma das mais interessantes desconstruções feitas pelos rapazes. A ceroula, peça feita pra ser usada por baixo das roupas e não aparecer, era usada à mostra, sob bermudas. Foi algo novo na história da moda. Devido ao clima frio, as ceroulas tinham  propósito de fornecer um aquecimento extra às pernas, mas com a oscilação de temperatura em Seattle, a peça ganhou a função de uma espécie da "meias calças" masculinas.

As ceroulas estão na emblemática capa do álbum Ten, do Pearl Jam. 
Jeff Amment e Ed Vedder costumavam usá-las.

Ceroulas no Alice in Chains e Soundgarden. Aliás, vale uma análise da primeira imagem do Alice in Chains... notaram a mistura de elementos estéticos do Heavy Metal com o Grunge?

 Kurt, Layne e David Grohl  usam ceroulas (ou legging?).

Pochete: considerando o uso das bermudas ao estilo ceroula e sua ausência de bolsos, a pochete era um acessório necessário.

Membros do Alice in Chains e Soudgarden usando pochete

Calçados: o que prezava era o conforto e o preço, por isso a popularização do tênis All Star, Vans, Keds. O coturno Doc Martens, segundo o livro de Charles Cross, teve destaque porque a esposa de Chris Cornell trabalhava numa das poucas lojas de Seattle que revendiam o calçado. Por isso o uso pelas bandas Soundgarden, Pearl Jam e Alice in Chains, já que ela os empresariava. E só para enfatizar, Kurt nunca usou o modelo. 

Kurt de All Star e Vans numa foto caseira com Frances

Alice in Chains

 Eddie Vedder de Doc Martens

Óculos: além de armações femininas, eram também utilizados em formatos redondos e Ray-Bans.

Layne e Kurt com seus modelos


Cabelos: normalmente longos por influência do Heavy Metal, mas sempre usados de forma despenteada e muito natural.


Cabelos coloridos: assim como os punks, os grunges adoravam colorir os cabelos. Era uma forma de rebeldia e diferenciação.

Tonalidades como rosa, azul e vermelho se popularizaram na década

Chapéus: gorros por causa do clima frio, bonés, bandanas, chapéus de copa alta e abas largas ao estilo renascentista usados especialmente por Jeff Ament do Pearl Jam.


Dave Grohl e Vedder usando bonés

Jeff Ament usou de tudo: bandanas, às vezes acompanhadas de bonés por cima, chapéus de copa alta e gorros de lã

A revolução na moda masculina mainstream
Uma das grandes revoluções do movimento, além da musical, foi o impacto na moda masculina. Até hoje o grunge influência esse segmento, que tornou a moda masculina bastante informal por mais de duas décadas. É muito difícil nos dias de agora, um rapaz ou um homem que não tenham tido uma calça ou uma bermuda cargo em suas vidas, e/ou que não tenham saído na rua de bermudão, t-shirt básica e tênis: herança da informalidade grunge!
Pra entender essa revolução, é preciso retornar um pouco no que era a moda mainstream masculina nos anos 1980: as bermudas costumavam ser jeans ou no estilo social. Por mais informal que fosse, ainda era formal.

Enquanto nos palcos o Glam Metal era rejeitado, fora deles, os grunges batiam de frente com a cultura yuppie, aquele clássico profissional urbano dos anos 1980 (papel de Michael J Fox no filme "O Segredo do meu Sucesso"). O estilo foi um contraste ao terno e gravata que representava o auge da economia americana. Se os homens daquela década andavam que nem robôs engravatados, em 1990, eles queriam ter a liberdade de usar no trabalho o mesmo que na rua. Conforto era a palavra da vez. O tênis teve grande destaque na época, pois oferece enorme mobilidade para todos ///s gêneros. Quanto mais simples e prático fosse, melhor. 


Yuppie X Grunge: os jovens não queriam mais aparentar como o personagem de Michael J Fox em "O Segredo do meu Sucesso". Eles queriam ter a liberdade de usar a mesma roupa na rua e no trabalho. O ator River Phoenix, ídolo da geração, e seu visual informal no almoço de nomeados ao Oscar, de 1989.


O grunge e o feminismo 
Se o heavy metal e o hard rock investiam em letras misóginas, sobre mulheres como objetos sexuais e violência, o grunge já tratava a mulher com certa "igualdade". Se as fãs de hard rock queriam ser "escolhidas" pelos caras das bandas, as garotas fãs de grunge viam os músicos como rapazes que entendiam, ou que tentavam entender, as complicações do que era ser uma garota no mundo. O que ajudou nesse processo foi que as bandas grunge surgiram praticamente juntas com o movimento da 3º onda feminista: as Riot Grrrls.
No destaque da cena, estava à banda Bikini Kill, da qual tinha uma grande ligação com o Nirvana. Kurt se apaixonou por Tobi Vail, e assim passa a ser apresentado com um outro olhar ao feminismo. Ao mesmo tempo Dave Grohl namorava Kathleen Hanna, que um dia escreveu na parede do quarto do cantor tal frase: “Kurt smells like teen spirit”. 

O envolvimento próximo com as Riot Grrrls ocasiona diversas interferências, incluindo a estética. Tanto Cobain, quanto Eddie Vedder e Layne Stanley, passam a usar entre suas vestimentas roupas consideradas femininas pela sociedade, como vestidos, saias e sutiãs. Também se maquiavam e pintavam suas unhas de vermelho. A atitude ia em protesto, provocação e deboche aos preconceitos machistas e sexistas, que tanto ataca as mulheres. Kurt passa a defender ainda mais a causa quando se torna pai de uma menina e a sua irmã, Kim Cobain, assume ser lésbica. 

Kurt vestindo roupas femininas. 
Era uma forma de protesto e deboche contra o sexismo existente dentro e fora do meio do rock

Ed Vedder e Dave Grohl de sutiã

 Nirvana de saia

Além da roupa, o uso de elementos femininos, como batom e pintar as unhas, faziam parte da provocação

Os conhecidos óculos do cantor

Layne Stanley também usou armações semelhantes


Ed Vedder: Durante sua vida, a empatia com as lutas feministas se revelavam já nas letras que escrevia para o Pearl Jam, letras estas que não eram contra mulheres nem para mulheres, mas sim, letras que contam historias sobre mulheres e meninas com problemas de saúde mental, relacionamentos e envelhecimento. Ele também já contou sobre o privilégio de ter nascido homem e branco, assim como o lado prejudicial da masculinidade. Defensor do "pro-choice", já declamou mensagens anti estupro, contra agressões e acredita que a escolha reprodutiva feminina é uma questão de direitos humanos. Também fez parte do projeto "Every Mother Counts" sobre a saúde de mães carentes ao redor do mundo. Eddie, pai de duas meninas, diz que a paternidade alimentou sua ira pelo mundo ao redor e as injustiças que ele vê. Ele aprecia artistas e músicas que falam sobre o emancipação feminina.


Ed Vedder, vocalista de uma das poucas bandas sobreviventes da era grunge, ainda se mantém fiel ao estilo, é comum vê-lo vestindo sobreposições diversas, camisas xadrez, calças jeans ou cargo e cabelos naturalmente desgrenhados.



A moda masculina grunge em outras subculturas
A estética grunge foi algo que pegou tão forte que invadiu outras subculturas. No hard rock, Axl Rose pode ser visto no clipe Dead Horse usando camisetas de flanela xadrez tanto amarrada na cintura quanto vestida, assim como no clipe Estranged. Destacamos o vídeo Don´t Cry, onde o backing vocal Richard Shannon Hoon (Blind Melon) está vestido completamente no estilo grunge. 


Num outro momento do clipe, quando Axl está deitado num consultório, existe um boné escrito "Nirvana". Esses vídeos foram feitos no ano de 1992, auge do grunge. Na época, Axl se declarou fã de Kurt Cobain.


Já na cena Heavy Metal, enfraquecida midiaticamente devido ao boom do cenário de Seattle, o estilo desleixado, “largado”, bermudas e calças cargo, camisas abertas sobre camisetas, meias e tênis, passaram aos poucos se tornar populares.
Na foto do Slayer, Tom Araya (à direita) usa jeans largos e de lavagem stonada, camiseta, jaqueta xadrez e cabelos desgrenhados.  Kerry King e Jeff Hanneman usam bermuda e calça cargo.


Pantera: Se você não conhecesse o som da banda e apenas visse essa foto, você poderia julgá-los como uma provável banda grunge? Exceto pela pose de mau, típica da cena metal, tênis all star, uma grande camisa xadrez, roupas com aparência de gastas, a ceroula por baixo da bermuda... são influência da moda grunge. Na foto ao lado Dimebag Darrell usa bermuda cargo e all star.


Estes são exemplos fortes de que a moda grunge se tornou tão dominante que sua estética acabou absorvida pelos headbangers, alguns deles ainda hoje criticam o estilo sonoro grunge, mas na questão da moda, a informalidade grunge atravessou barreiras estéticas das subculturas mais fechadas, tamanho seu impacto na moda.

Curiosidade: No filme Rockstar, o protagonista, cantor de Heavy Metal, termina num bar, cantando anonimamente suas fragilidades e angústias vestido no estilo grunge! Isso nos mostra bem o espírito da época: há o desencanto com os excessos da cena metal e a identificação com o novo estilo sonoro, que era o recente interesse dos jovens e da mídia musical.


O Grunge no Brasil:
No Brasil, a moda grunge também chegou ao mainstream e influenciou as criações da moda masculina, mas sua maior expressão se deu na moda jovem, especialmente entre os skatistas, já que o esporte ganhou novo fôlego naquela década pois havia sido criado o Circuito Brasileiro de Skate Profissional. Mas é válido citar que nos EUA já era comum os garotos usarem o skate como meio de transporte.

Esta cena do filme Clueless - Patricinhas de Beverly Hills mostra bem como o grunge e a moda skate se fundiram dando origem ao street wear jovem masculino típico da década de 90.


Análise final - Keep on rockin' in a free world:
Apesar da influência punk e metal na sonoridade, as bandas grunge traziam algo novo ao mundo masculino: letras sobre alienação social, injustiças, traumas pessoais, conflitos internos e existenciais. O grunge dava ao homem o direito de ser emocionalmente fragilizado e não ser criticado como "menos macho" por isso. As músicas atingiam em cheio os jovens da geração X, que estavam depressivos e descrentes sobre o futuro.

Um dos grandes motivos de admirarmos essas bandas, era o amor genuíno que eles tinham à arte e aos fãs, oferecendo uma conexão direta entre ambos. O próprio Pearl Jam estabeleceu um batalha judicial contra a empresa Ticketmaster por causa dos altos valores que eles cobravam nos ingressos. O grupo não achava justo pois sabia das condições financeiras dos seus fãs. Stone Gossard declararia no julgamento: "Todos na banda sabem como é ser jovem e não ter dinheiro". Isso mostrava o quanto se preocupam com o público como também não esqueciam o seu passado. Infelizmente, a luta não teve continuidade.

A geração atual se sente órfã de ídolos genuínos. Quando surge um novo artista apresentando uma proposta diferente, sempre vem aquela dúvida se aquilo de fato é verdadeiro ou puro marketing. Num mundo onde se vende a alma pela fama e ganha-se mais de 15 minutos de visibilidade por coisas inúteis, nos perguntamos se não está na hora de um basta. Aliás, essa era também a mesma indagação dos jovens na virada da década de 90. 

Como sabem, Kurt se matou pois sofria de forte depressão e um dos fatores que contribuíram para esse final, era por não aguentar a pressão de ser um músico famoso. É interessante relembrar o episódio diante dos acontecimentos atuais. Isso mostra o quanto devemos questionar e refletir sobre os valores impostos pela sociedade contemporânea. A frase máxima: "Eu possuo, logo existo", é realmente a vida que queremos ter?


Estamos comemorando 10 anos! Vem apoiar e garantir suas edições:






Acompanhe nossas mídias sociais: 

Pedimos que leiam e fiquem cientes dos direitos autorais abaixo:
Artigo das autoras do Moda de Subculturas.
É permitido usar trechos do texto como referência em seus sites ou trabalhos, para isso precisa obrigatoriamente linkar o artigo do blog como fonte. Compartilhar e linkar é permitido, sendo formas justas de reconhecer nosso trabalho. É proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo aqui presente sem autorização prévia. É proibido também a cópia da ideia, contexto e formato de artigo. Plágios serão notificados a serem retirados do ar (lei nº 9.610). As fotos pertencem à seus respectivos donos, porém, a seleção e as montagens de imagens foram feitas por nós baseadas no contexto dos textos.

13 de agosto de 2014

Entrevista com Mariane da Devas Acessórios Lolita & Alternativos

A Devas é uma loja especializada em acessórios alternativos e também direcionados ao público lolita. Os produtos são feitos artesanalmente, um por um. Apesar do crescente desenvolvimento de marcas alternativas, ainda há pessoas que apreciam o artesanal na moda. Seja porque gostam, seja porque as lojas de pronta entrega não oferecem o que o consumidor quer. Ao contrário do que se possa pensar, consumir roupa ou acessório confeccionado manualmente nem sempre custa tão caro, existem peças incomuns com valores bem acessíveis.
Nossa entrevistada de hoje, é a Mariane, a mente criativa e criadora por trás da Devas. Nessa conversa, conhecemos um pouco a história da marca e a visão da estilista sobre o Mercado Alternativo.

acessórios alternativos
Mariane com o estande da Devas na Alquimia Gothic Nights


Devas no MdS:
- Os novos produtos da Devas
- Chifres na Moda: da história à moda alternativa
- Devas: Review de corsage, wristcuff e presilha de morcego


Quando e como começou a sua imersão pela cultura alternativa, mais especificamente a Lolita?

Acredito que tudo tenha começado com minha curiosidade por tudo que era incomum (visuais de bandas, personagens de filmes e de desenhos animados) e minha paixão pela cultura japonesa.
Quando comecei a faculdade de Moda (FMU), passei a frequentar feiras que revelam novas marcas e conhecer muitas pessoas com ideias e visuais diversos. Foi nessa mesma época que comecei a pesquisar quem eram as lolitas e entrei na comunidade do Orkut para entender quais eram os requisitos para criar um outfit, onde comprar e quais as marcas mais citadas. Em 2008 vi os livros Fresh Fruits e Gothic&Lolita (na verdade coletâneas bem antigas de revistas bem famosas) e decidi que ia me aprofundar cada vez mais nesse universo J-Fashion.
Em 2010 fui ao meu primeiro meeting lolita e depois consegui expor no I Meeting Nacional Lolita. Isso foi graças ao apoio que a Rika (da loja le café) deu, deixando que novos criadores expusessem suas peças em seu estande nesse evento.




Como surgiu a ideia de fazer artesanato lolita e alternativo? Você já tinha uma habilidade natural pro artesanato ou foi estudar técnicas? É uma área que exige um pouco de detalhismo, certo?

Foi um longo período de erros e acertos até decidir criar acessórios para esse público. Depois de pesquisar bastante, em 2009 já estava confeccionando as primeiras peças - que eram somente mini cartolas e depois consegui fazer a primeira sombrinha da Devas.
Minha maior referência e fonte de incentivo foi minha mãe (Rose - a outra metade da Devas), que sempre foi muito talentosa com arte feita com as mãos, muito criativa e aproveitando todo material que via pela frente. Acho que herdei certa parcela desse talento.
Já o raciocínio básico para moldes e escolha de materiais devo aos ensinamentos que acumulei na faculdade.



O artesanato não é tão valorizado e não ganha tanto destaque no Brasil, exceto em um nicho populacional mais culto que valoriza o personalizado, peças únicas. De que você acha que se dá esse desdém do brasileiro pelo artesanal?

Talvez porque o artesanato tenha 2 espécies de conceitos, algo que até já foi discutido por minha professora na faculdade (Valéria). Um é voltado para o feito a mão, peça exclusiva e criada uma a uma, com cuidado. Outro já é esse artesanato mais serial, com moldes e carimbos comercializados em grande escala até para desenho de olho de algum boneco. Não que um seja certo e outro errado, mas esse segundo tipo de artesanato acaba criando "artesãos copiadores" que compram ou copiam moldes da internet e vendem em larga escala. Talvez por isso as pessoas acabem desvalorizando e achando que seja algo bem fácil de fazer, que não exista criação e nem esforço.




Reclama-se que os consumidores não querem pagar o valor do artesanato por acharem mais caro, mas esquecem que as peças são feitas manualmente e resultam num trabalho exclusivo. O que você acha dessa situação? Como lidou (ou lida) com isso? 

É algo bem frequente, já presenciamos isso em feiras voltadas para artesanato. Até porque, mesmo nessas feiras atuais é muito comum ver outros artistas preferindo comprar uma peça pronta importada (provavelmente da China) e revender. Quando isso acontece, o público fica confuso e acha que aquele preço deve ser o parâmetro para o restante. Nesse caso, sempre temos peças para mostrar e exemplificar o que é industrial/feito em série e o que é costurado à mão. Como uma mini cartola toda costurada e uma outra de plástico flocado feita na China, então fica mais fácil ilustrar a diferença do preço final.



Quanto tempo demora pra fazer uma peça?
A mini cartola, por exemplo, demora 3 dias para confeccionar. Dependendo se temos os materiais necessários (tecido, aplicação etc), se temos outras peças para confeccionar no mesmo período e também se a peça exigir algum detalhe especial.

wristcuffs, tiara de laço


Você participa de muitos eventos alternativos no underground, como feiras e bazares, esse é o principal meio de divulgação da marca? Estar onde o publico está é a saída?

No momento é o nosso principal meio de divulgação, sim. Foi através desses eventos (como o Alquimia Gothic Nights, Perky Goth Party etc) que conseguimos um feedback muito mais rápido e preciso, aumentando nosso público e podendo conviver com outros estilos. Outra professora (Miti) sempre falou que o melhor meio de entrar no mundo alternativo é frequentando as mesmas casas. Pra mim, algo maravilhoso, já que sempre fui tímida e não saía. O Facebook também é outro veículo precioso.

Estandes da Devas em eventos alternativos


Você tem alguma influência ou referência pra criar as peças ou faz de acordo com a demanda dos clientes?

No começo a nossa maior referência eram as peças que as grandes "burandos" (brands) japonesas criavam e imagens que clientes nos enviavam, além de nossas criações baseadas em peças de vestuário de séculos passados, brinquedos antigos, pessoas que admiramos, personagens de filmes, livros e músicas. Cada vez temos uma inspiração diferente, só não separamos em coleções.

Corsage (serve como presilha ou broche); fluffy com spikes (presilha ou broche); wrist cuff de renda com miçanga e bottons numa caixa em formato de caixão com uma caveirinha.
wristcuff


Você revende alguns produtos na Miniminou. Como surgiu essa parceria?

Essa é realmente uma parceria muito especial. Conhecemos a Isis e sua irmã Baboo em uma visita ao Mercado Mundo Mix, nessa época tanto a Devas como a Miniminou estavam se formando. Fomos ao evento e conhecemos o estande delas, minha mãe foi atirada e sugeriu que "dessem uma olhada" em nossas criações (que se limitavam a mini cartolas e sombrinhas). Fui surpreendida quando Isis nos contatou e começamos nossa parceria que virou uma amizade muito linda. Temos muito orgulho dessa parceria e de como nossas peças são valorizadas pelas produções da Miniminou.


sombrinha de renda

miniminou, chifres


O que acha do mercado alternativo (dificuldades e facilidades), tanto como consumidora e empresária?

A dificuldade é que por ser alternativo, o público é um pouco menor e a maior vantagem é que são muito fiéis e carinhosos.
Como consumidora, acredito que está mais fácil encontrar lojas alternativas que atendem aos mais diversos estilos. O que falta é mais união pra ter uma divulgação melhor. Algo que sempre tentamos, em grupos no Face, participando de eventos parceiros e tendo outras parcerias.
É um mercado que está sempre crescendo, e mesmo fugindo de tendências mainstream tem as suas próprias. Seu blog mesmo é um bom termômetro do que está em alta, temas e materiais.



Para os leitores que quiserem comprar seus produtos, qual forma de contato?

Por enquanto aceitamos pedidos e encomendas por e-mail (lojadevas@gmail.com) ou Facebook (facebook.com/lojadevas1).Também podem conhecer nossos produtos pessoalmente em eventos que temos estande, acompanhando nossas atualizações.

7 de agosto de 2014

Livro: Metal Cats!

Em maio (2014) foi lançado o livro "Metal Cats" que mostra músicos da cena extrema do Metal com seus gatinhos de estimação. Uma parcela dos rendimentos do livro assim como de shows beneficentes irão para abrigos animais que não os sacrificam. A autora, Alexandra Crockett além de trabalhar com música é designer de jóias, e a ideia para o livro surgiu quando estava fazendo fotos promocionais para bandas de amigos e seus gatos sempre apreciam para sentar junto. Algumas bandas participantes são Black Goath, Throne, Isis, Morbid Angel, Skeletonwitch, Ludicra, Holy Grail, Exhumed, entre muitas outras.
Separei algumas imagens pra vocês! Clique pra aumentar.



5 de agosto de 2014

Alfinetes de Segurança: do Punk ao Mainstream

Devido à exposição “Punk: Chaos to Couture” ter sido tema do MET Gala de 2013, muitos elementos estéticos do movimento sobressaíram nas temporadas de moda internacionais. Entre os destaques, poderíamos ressaltar o enorme uso dos alfinetes de segurança.


Não é a primeira vez que eles reaparecem na moda. De tempos em tempos, os encontramos de volta nas passarelas. Porém, o que pouco se fala é como eles surgiram no punk e se transformaram num dos maiores símbolos de rebeldia. Nesse post, vamos relembrar o início e fatos importantes que ocorreram ao longo dos anos.

Os alfinetes fazem parte da indumentária há séculos. Eles tinham como objetivo prender as roupas, como ganchos. Uma lembrança conhecida são as fraldas de pano que necessitavam do objeto para serem fixadas. Ninguém poderia imaginar que no século XX, uma mudança total de conceitos poderia ressignificar a peça.

Era final dos anos 60, quando o Punk começou a tomar forma em Nova Iorque. Um músico conhecido como Richard Hell chamou a atenção do empresário Malcolm McLaren pelo jeito que se vestia. O inglês ficou fascinado pelo estilo anti-moda do rapaz, que usava roupas rasgadas e perfuradas por alfinetes de segurança. McLaren tentou empresariá-lo e levá-lo para Londres, mas não obteve sucesso.

Richard Hell no período em que tocava no grupo The Voidoids. Perfurar as roupas com alfinetes era também uma tentativa de "costurar" os rasgos, já que não se tinha dinheiro para comprar novas:


Malcolm então decide retornar à Inglaterra. Lá, ele tinha uma loja de roupas junto com a esposa, Vivienne Westwood, onde decidiu tentar reproduzir o que havia visto na cena americana, porém adaptando ao contexto social inglês. O empresário cria os Sex Pistols e, consequentemente, o grupo passa a ser vestido com criações de Westwood.

John Lydon (na época Johnny Rotten) e sua roupa pregada de alfinetes.

Sex Pistols usando as criações de Westwood e um cartaz da banda.

Influência: fã dos Pistols, Joan Jett usa o alfinete em duas ocasiões; com uma camiseta customizada por ela e na função primária da peça fechando seu jeans.

Trinta anos depois: o logo da liga London Roller Girls relembra o anúncio do grupo inglês.


Mesmo o Punk tendo nascido em solo americano, foi na terra da Rainha que ele se impulsionou. O movimento foi uma válvula de escape para os jovens da classe operária que estavam desempregados e sem nenhuma perspectiva de vida devido a forte recessão que assombrava o país.

Irritados, desiludidos e revoltados, passam a protestar usando como arma tanto a música quanto a estética, que deveria ser o mais chocante possível. Assim, os alfinetes de segurança perfuram em excesso as roupas, os acessórios e o corpo. Atravessam os tecidos, mas também o nariz, lábios, bochechas e orelhas, que muitas vezes, são interligadas por correntes de privadas. Dessa forma contestadora, o ano de 1977 costura de vez sua história na moda.

Punks anarquizando sua estética perfurando o objeto na boca e orelhas.


Os alfinetes na Moda Mainstream
Quando olhamos as imagens dos Sex Pistols e suas roupas cobertas de alfinetes, logo lembramos que a criadora daqueles trajes foi Vivienne Westwood. Durante esse período, e também nos anos posteriores, o aviamento volta e meia pontuaria as coleções da inglesa, como a de Outono/Inverno 1993.

Kate Moss fotografada por Ellen Von Unwerth, fazendo clara referência aos Punks. À direita, no desfile Outono/Inverno 93.

Mas Vivienne não foi a única estilista importante da época. Se ela era conhecida como a Rainha dos Punks, Zandra Rhodes seria a Princesa. E embora Zandra não tenha a fama comercial da primeira, sua influência no desenvolvimento da moda punk é significativa. Ela também utilizou dos cortes remendados por alfinetes nas suas produções.

A "Princesa do Punk" demonstrando seu total amor pelo objeto.

A estilista usou e abusou do material nas criações.

Embora outros estilistas tenham se inspirado na estética punk, um desfile no Outono/Inverno de 1992 iria causar furor na moda mainstream, talvez remetendo a mesma perplexidade que a sociedade inglesa setentista tinha ao enxergar um anárquico.

Gianni Versace trouxe para sua passarela o universo bondage, causando um certo espanto aos críticos de moda que observavam. Vestidos ultra-mega colados ao corpo, com decotes profundos, eram entrelaçados por fivelas e alfinetes de segurança. Em defesa as críticas que recebia, soltou a seguinte opinião: “Eu não acredito em bom gosto”. Dois anos depois, a atriz Elizabeth Hurley ganharia fama ao usar um dos vestidos na première do filme "Quatro Casamentos e um Funeral". Esse foi um ponto crucial ao acessório, pois obteve uma inversão de valor, sendo transformado em artigo de luxo.



Desfile Bondage da Versace Outono/Inverno 92, com as tops Naomi Campbell e Christy Turlington.

O vestido desfilado por Helena Christensen, ganhou fama dois anos depois pela atriz Elizabeth Hurley.

Da década de 90 para os dias atuais, os alfinetes de segurança ressurgiriam numa coleção ou outra. Um pouco antes da exposição surtir influência nos designers de 2013, a grife Balmain, ainda comandada por Christophe Decarnin, reviveu a estética punk de luxo nas roupas Primavera/Verão de 2011. A jornalista Nicole Phelps do site Style chegaria a questionar se “a balmainia ainda era tão forte para as mulheres desembolsarem altos valores numa jaqueta cravejada de metais, com um olhar tão DIY”.


Balmain por Christophe Decarnin, Primavera/Verão 2011.

Kristen Stewart com vestido da grife no MTV Movie Awards de 2011.

No Brasil, o estilista Alexandre Herchcovitch, que sempre teve ligação com as subculturas, se inspirou na estética de Boy George para o desfile Primavera/Verão 2013. Apesar do tema oitentista, as clutches da marca eram recheadas de alfinetes em diversos tamanhos. Já para o Inverno 2014, João Pimenta colocou entre os detalhes de sua coleção masculina, enormes alfinetes que transpassavam golas ou cachecóis.


Coleção Primavera/Verão 2013 Alexandre Herchcovitch.

Coleção Inverno 2014 de João Pimenta.

Quem costuma observar a moda mainstream, é provável que tenha notado a volta significativa do material em roupas e acessórios, muitas vezes usados por celebridades que nem são alternativas. Além de retornarem nos tecidos, os alfinetes também estão perfurando novamente as orelhas, como brincos.


O cantor britânico Shane McGowan usa o alfinete com o mesmo espírito dos anos 70.


Famosas alternativas ou não aderindo a peça: Kate Nash, Isis Queen, Kelly Osbourne, Miley Cyrus, Rihanna e Jessica Alba.


Além das orelhas, Kelly Osbourne fez uma versão no seu cabelo. Antes dela, Giovanna Bataglia apareceu com os fios entrelaçados por alfinetes no MET Gala de 2013.



Faro hipster: em 2009, na sua primeira visita ao Brasil, Marc Jacobs já tinha o alfinete como brinco. Aliás, esse é um motivo interessante a se notar: quando alternativos usavam alfinetes ou clips nas orelhas, muitos debochavam de tal atitude. Agora com o renomado estilista usando a peça, será que as mesmas pessoas que criticavam mudaram de opinião??? São nessas horas que descobrimos as vítimas da moda.

Marc Jacobs usando o acessório, em 2009.


A difusão do alfinete na moda se tornou tão forte que conseguiu atingir diversos públicos. Chegou-se a um ponto incontável de exemplos. Isso confirma o quanto o objeto foi diluído e dominado pelo mercado mainstream.



Editoriais de 2013: Teen Vogue de Setembro e Tyra Banks na Faulty Beauty Magazine de Julho.


Na exposição The Little Black Jacket, o famoso casaco da Chanel também foi alfinetado.

Apesar do aviamento ter penetrado no mercado de luxo, ele ainda permanece em roupas alternativas, como das cantoras Avril Lavigne e Brody Dalle.

A rede de departamento Zara trouxe na versão estampa.

Max Cavalera mostra que os alfinetes também pertencem ao metal.


Nessa imagem da Tokyo Fashion, a criatividade dos japoneses se revela como sempre além do esperado, em "tatuagens" nos seus rostos.


Até a monstrinha Draculaura ganhou alfinetes em suas orelhas. Será que as crianças de hoje já enxergarão com mais naturalidade um alfinete sendo usado como brinco?
 

Jean Paul Gaultier provoca no desfile de Inverno 2014, ao trazer um modelo com mais idade. Nele, a gravata é espetada por alfinete cheio de penduricalhos, como se fosse um pingente. Nos anos 70, era também comum punks criarem colares e pingentes feitos só do aviamento.
 

O alfinete é mais um exemplo de objeto que teve seu uso desconstruído pelas subculturas e como vimos, cooptado pelo mainstream. Teve o seu significado amenizado ou esvaziado de forma a que fosse melhor vendido para as massas. Mas será que a ideologia morreu por completo?



Acompanhe nossas mídias sociais: 
Direitos autorais:
Artigo das autoras do Moda de Subculturas.
É permitido usar trechos do texto como referência em seus sites ou trabalhos, para isso precisa obrigatoriamente linkar o artigo do blog como fonte. Compartilhar e linkar é permitido, sendo formas justas de reconhecer nosso trabalho. É proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo aqui presente sem autorização prévia. É proibido também a cópia da ideia, contexto e formato de artigo. Plágios serão notificados a serem retirados do ar (lei nº 9.610). As fotos pertencem à seus respectivos donos, porém, a seleção e as montagens de imagens foram feitas por nós baseadas no contexto dos textos.

© .Moda de Subculturas - Moda e Cultura Alternativa. – Tema desenvolvido com por Iunique - Temas.in