Programas como "Esquadrão da Moda" e "Mude meu Look" transmitidos pelo canal Discovery
Home & Health, são acima
de tudo entretenimento. Voltados à realidade cultural dos EUA, um país com fortes traços conservadores e que cultua o bom mocismo. Tudo que é considerado mal, feio, desvirtuoso deve ser destruído ou transformado em coisas boas e aceitáveis.
Você vai me dizer que as participantes ficaram melhores depois, mais bonitas!
Mas
péra... já se tocou que o conceito do que é belo é algo socialmente construído? (a História da Moda comprova isso)
Moda neutralizada: nenhum resquício da estética subcultural.
Vejam este flyer (foto logo abaixo):
"... o programa "Mude meu Look procura pessoas para uma transformação total $$$"
Estamos procurando diversas pessoas em torno dos Estados Unidos! Estamos procurando pelos mais mal vestidos e pelos vestidos de forma incomum. Indique alguém hoje!
Você conhece alguém que se destaca pelo seu estilo? É muito anos 80? Muito ultrapassado ou desalinhado? Muito sexy? É hora de mudança? (...) se selecionados para o programa, cada pessoa é muito bem compensada pela sua participação. Adicionalmente, o candidato recebe uma transformação que vale $$$ em cabelo, maquiagem, sapatos, bolsas, muitas roupas e mais!
Estamos abertos para todos os looks, aqui alguns exemplos do que estamos procurando..." aqui entra lista de alguns exemplos, entre eles, Hippie, Gótico, anos 80, grunge, biker, finalizando com "tenha sua sensualidade de volta".
Prestou atenção nas palavras em negrito?
Como um bom programa de entretenimento, tem grana envolvida.
Tem seres bizarros que assustam a plateia. Tem o palhaço que domina as cenas.
Tem machismo enraizado na cultura tradicional.
Tem sensualidade envolvida porque é o sexo que move $$$ o mundo.
Como
um bom programa de entretenimento, tem muito drama. Tem no final os
bonzinhos vencendo os malvados, os errados. Tem o malvado ficando
bonzinho e obediente.
Esse flyer foi fotografado e publicado pela americana Amy Doan, dona da Shrinkle/Sugar Pill Cosmetics, ela foi abordada pela equipe do programa sendo convidada a participar do mesmo. Ela conta que disse à produtora que gostava do jeito que era e a produtora disse: "Ainda melhor! Nós amamos os candidatos que realmente acreditam que tem uma boa aparência. Eles fazem a transformação mais dramática".
Acho que isso dá uma noção do que rola nos bastidores.
Deixando claro que não tenho nada contra estes programas e sim, que não os levo à sério!
E também deixo claro que este post é sobre os participantes alternativos. Sobre os participantes "normais" desleixados, desalinhados, tenho a dizer que nem todo mundo nasce com senso estético. Algumas pessoas precisam ser orientadas seja por
desinteresse, porque não foram incentivadas à isso na fase de
desenvolvimento ou por não terem uma habilidade natural para Moda. Mas outras se ligaram em subculturas ou na cena alternativa, onde não existe nenhuma regra exigindo que um look seja belo, o contrário: quanto mais exótico e autoral, mais valorizado.
"O fator artístico/criativo é muito
importante, assim como a roupa ser usada como uma forma de auto
expressão, fora do que é considerado apropriado ou elegante e desafia a
concepção do que é considerado belo."
Um dos grandes mitos de nossa sociedade é que podemos mudar o outro.
Torná-los nossa "imagem e semelhança". Adequá-los ao nossos gostos e
necessidades. Porque assim seremos felizes. Mas esquecemos que o outro é um indivíduo com vida e gostos próprios.
Motivos comuns pelos quais as participantes são indicadas:
- pessoa passa uma imagem errada pra sociedade.
- querem o bem delas.
- não está vestida de acordo com a idade (cronológica ou de espírito?).
- agradar aos amigos - se vestir ao gosto do amigo (ou dos pais ou do marido).
- arranjar namorado, ser sensual e atraente.
- se vestindo assim ela nunca atrairá o sexo oposto (mentalidade que a mulher se veste pro homem e não para si mesma).
- a roupa que usa parece barata (preconceito de classe / devemos ser ostentadores?)
- falam que o estilo da mãe fere os filhos (se o filho se sente ferido, será que ele tá sendo educado reproduzindo preconceitos?)
Claro que não posso deixar de notar o machismo em diversas situações, num certo episódio, a moça diz: "ainda não estou pronta pra casar" - e a apresentadora responde: "e quando vai estar pronta?". Não é de hoje que mulheres que estão solteiras são cobradas ao casamento como se essa fosse a principal meta de suas vidas. E também falam de "saltos de prostitutas" e dizem que tudo que fica acima dos joelhos é de "vadia", palavra muito usada para objetificar o corpo feminino.
A produção do programa Mude Meu Look prefere alternativos. A mudanças é mais drástica. O programa é alimentado por tensão e drama.
Você já reparou quem indica as pessoas alternativas?
São "pessoas normais".
Você já viu um episódio onde alternativos indicam outros alternativos?
Já viu um episódio onde alternativos indicam pessoas normais?
Não? Nem eu.
Talvez porque os alternativos, mais do que ninguém, entendam o valor da individualidade estética.
O convencimento do alternativo pra "se tornar socialmente adequado", é explorando suas fragilidades, seus pontos fracos, seus traumas. Não raro, o alternativo cai no choro e em culturas conservadoras, choro é fraqueza emocional. Já não basta ter passado por maus bocados na vida por ser alternativo, ainda vem as pessoas te esfregar isso na cara?
Há episódios com terrorismo emocional, uma espécie de "manipulação". Pegaram traumas da pessoa: "ah é por causa desse trauma que
você é assim blablabla" e a pessoa, fragilizada, sofrendo, se acha o pior ser da face da terra e passa a aceitar tudo que eles dizem como
regra porque "oh, realmente, o problema sou eu...".
Trauma todo mundo tem, só que às vezes, as tais roupas não aparentavam
vir de traumas e sim de gostos específicos.
Se a participante está feliz, confiante e cheia de autoestima sobre seu visual, a apresentadora faz caras e bocas e convence-a de que ela está toda errada, cava fundo nos dramas pra encontrar uma fragilidade e explorar ao máximo, se nada disso dá certo, partem pra questão amorosa: "Você está sozinha? Já reparou que sua roupa afasta os homens certos?". Homens certos...
A participante Ivy em termos de
comportamento, era aquelas punks das antigas, bem atrevida e com um
jeitão meio Courtney Love. Ela ficou socialmente aceitável depois de
"reformada", mas era possível ter mantido elementos punks no visual dela se o programa levasse em conta a personalidade ousada.
Esquadrão da Moda:
Ao contrário do Mude Meu Look que adoooora pegar alternativos, o Esquadrão da Moda não tanto... mas lembro de algumas participantes que
tinham o estilo alternativo. Não me esqueço de dois: um rapaz gótico de
longos cabelos negros que, segundo o cabeleireiro tinham de ser cortados.
E foram! Bem curtinhos. O rapaz não ficou bem (o rosto dele não combinava com cortes curtos) e não gostou nada. Mas
nesse caso parecia uma mistura de preconceito e sacanagem por parte do
cabeleireiro/produção.
Outra participante que me lembro era uma roqueira, na
hora de fazer compras, ela não foi na loja "chique" indicada pelos
apresentadores, fugiu pra uma famosa loja alternativa de NY, comprou
algumas peças e ficou tirando sarro.
Também
lembro de uma senhora que usava roupas muito curtas e doidas, mas eram a
cara dela, se é que me entendem. Essa senhora permitiu a mudança das
roupas, mas no final confessou que não as usaria. Ela tinha um cabelo
loiro cacheado super armado, que era uma característica do estilo dela e
negou que ele fosse mudado. Isso é ter
personalidade! O cabeleireiro ficou possesso!
Em alguns casos eles envelhecem as
participantes (porque roupas de corte clássico envelhecem) deixando jovens de 25 anos com aparência de senhoras.
Um estilo alternativo que indica uma personalidade irreverente e que gosta de brincar com a moda e o "depois", com impessoalidade e neutralização.
Os alternativos querem que a sociedade os aceite como são, o que envolve inclusive tanto o direito de andar todo gótico trevas quanto andar mostrando a bunda. O que torna uma bunda indecente não é pessoa, é a cultura que ela faz parte. Uma bunda não é indecente pra uma índia, por exemplo porque na cultura deles o significado do corpo é outro. A cultura que vivemos trata o corpo feminino como algo que deve ser escondido e resguardado por ser propriedade do outro e não da própria mulher. E cabe a roupa conservadora resguardar esse corpo.
Todo tipo de "desvio" social deve ser evitado, por isso, em meados do século passado surgiram os movimentos de contra cultura, porque eles eram contra a cultura dominante. Eram rebeldes que pregavam um novo modo de vida e de pensamento.
Já conversei com alternativos daqui e de outros países e é basicamente o mesmo pensamento que todos tem: ser aceito pela sociedade como são; lutar pra ser o que se é e claro, a vida não é fácil pra quem pensa assim, quem disse que é? Quem se assume, precisa encarar!
É preciso estar disposto a lutar e passar por cima dos preconceitos. A roupa expressa você!! Eu tenho amigos não-alternativos, tenho familiares
não-alternativos e antes de tudo os enxergo como seres humanos, quando
estamos juntos, a roupa é diferente, mas o respeito é igual. Minha melhor amiga de infância é o oposto de mim. Esse é o
mundo que eu quero. Que alternativos e não-alternativos estejam juntos e um não reparem na diferença do outro, e sim, no que tem de igual.
Concluindo
Outra coisa a ser notada é que a transformação não acaba após o cabelo e maquiagem. Os participantes são levados a encontrar familiares numa festa de recepção do seu novo look ou expostos publicamente num palco dentro de uma espécie de shopping center, um teatro grandioso onde os transformados são apresentados ao grande público como exemplos de que sim! Podemos mudá-los, retirar seus "desvios" e deixá-los ao nosso gosto correto e ordeiro, e então: aplausos!
E alguém orgulhosamente diz:
"Parabéns fulana, você é outra pessoa!"
Objetivo alcançado.
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