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9 de fevereiro de 2022

A sofisticada cooptação da cultura alternativa pelo mainstream através de artistas como Anitta e Luisa Sonza ( + Cultura da Pornificação)

Nos últimos dias, circularam algumas notícias envolvendo a relação entre mainstream e cultura alternativa. Os temas são:

1. Anitta: Lançou clipe cheio de referências ao rock, gótico e cultura pop. Anitta foi emo quando adolescente e logo depois se lançou como artista do Funk. 

2. Luisa Sonza: Apareceu com roupas inspiradas na cultura hard rock e usando marcas alternativas nacionais e internacionais. 

3. Moda terror: Um post da FFW sobre uma "trend alert" de halloween fora de época foi bastante compartilhado. Ao que parece muitos alternativos curtiram por se sentirem representados.



Moda Mainstream x Moda Alternativa

Quando lancei o blog em 2009, havia o diferencial de mostrar a relação entre moda alternativa e moda mainstream. Foi isso que fez o blog ascender e se tornar um sucesso, era uma abordagem diferente. Eu mal falava de história das subculturas, isso veio depois. 

Ao longo destes 12 incansáveis anos por diversas vezes apontamos que a cooptação da estética alternativa/subcultural pelo mainstream é uma forma de despolitizar e, em alguns casos, enfraquecer o potencial revolucionário dos grupos alternativos.

Isso não é pensamento aleatório da minha cabeça, existem autores, teóricos e publicações que falam deste processo que ocorre há décadas. Quem acompanhou no twitter uma thread sobre Wokeísmo do perfil Pensar a História sabe do que falo. 

A melhor forma de você conter a rebeldia juvenil revolucionária é oferecendo produtos que a faze sentir "representada" e acolhida, aceita socialmente. E se assim se sentem, qual o motivo de lutar contra o sistema


Caso a caso

1. Anitta:

Fez um clipe com influencia e visual do rock, do gótico e da cultura pop americana. Usou marcas, roupas e visuais que carregam símbolos da cultura alternativa e de algumas subculturas. 

Em 2019 lancei um zine sobre o estilo Dark Pin-up, nele eu trago uma teoria sobre a origem desse estilo e aponto uma característica fundamental: o uso de ícones do terror americano. 

Quem é da área de Museologia ou de História, estuda Memória. Estuda-se quais são os tipos de memória e como elas se formam. Existe uma que se chama memória afetiva. Anitta, para conquistar o público americano investe em ícones de memória afetiva daquele país: ícones da cultura pop. E já que vivemos num mundo que a cultura americana domina nosso imaginário e nossos gostos, mexe também com a memória afetiva dos que aqui vivem, pois nosso imaginário é colonizado por esses ícones.

Isso não é a toa, é estratégia. As pessoas aceitam muito melhor o que lhes trás boas lembranças.


Se a cooptação é boa ou ruim? 

Depende muito se você encara a cultura alternativa como algo político ou não. 

Depende se você tem uma percepção politica, social, econômica liberalizada ou de raiz/revolucionária. 

Depende como é sua filosofia de vida: seu discurso é coerente com sua prática? Ou isso pouco te importa?

Depende qual o espaço você abre em sua vida para a contradição.

Cada um terá suas respostas.


2. Luisa Sonza:

Apareceu usando roupas inspiradas na cultura hard rock e usando marcas alternativas nacionais e internacionais.

Não é novidade nenhuma que artistas do pop quando querem soar "diferentes" usam peças alternativas (a gente também fala há uma década sobre isso). A moda alternativa tem sempre uma novidade criativa ou algum clássico atemporal que serve ao mainstream.

A questão da Luísa é um pouco mais complicada e de difícil abordagem em stories.  Luísa é conhecida por ser, enquanto artista, uma mulher hipersexu4liz4da e objetific4da.

Luísa apareceu usando uma blusa da banda KISS e um shortinho escrito na bund4: "piss", em português significa 'mij0'. Luísa está cada vez mais pornificada.



Não é de hoje que mulheres alternativas reclamam de serem objetificadas e fetichizadas.

E numa cultura cada vez mais pornificada isso tende a ser naturalizado.

Por que criticam-se tanto as "pirigóticas", mas aceita-se uma mulher adulta pornific4da com símbolos alternativos que leva a fetichização da estética das mulheres alternativas a um público muito mais amplo? 

Qual o impacto desse tipo de estética e mensagem simbólica em crianças e jovens fãs da cantora? 

O perfil @recuseaclicar trata sobre o impacto da pornografia na mente e na sociedade. Vale a pena visitar.



É importante que se saiba que artistas pops e influenciadoras mulheres também ajudam a colocar a mulher como um seres desumanizados. Mulheres também fazem esse trabalho. Mulheres também desumanizam outras mulheres e a si mesmas. 

Mulheres são capazes de dissociar partes de seu corpo. Isso é sintomático de como mulheres são educadas para serem o objeto de olhar e não, a pessoa que olha. 

A estética que Luisa Sonza adotou mostra claramente como mulheres são divididas na sociedade machist4: a pública e a privada.

A estética que Luisa Sonza adotou mostra claramente como mulheres são divididas na sociedade machist4: a pública e a privada.

Observe na imagem ao acima símbolos que comunicam a cultura da pornografia.


Story que publiquei no Instagram do Moda de Subculturas 



Moda Alternativa

Existem brasileiras cantoras de rock, de metal, de música gótica, existimos nós, mulheres alternativas: somos nós que sustentamos as marcas alternativas. Somos nós que estamos aguardando ansiosas toda nova coleção. Somos nós que divulgamos, no boca a boca, na indicação.

As mulheres do rock, sempre questionadoras, desafiantes, insubmissas, que usavam e ainda usam esses visuais do rock/metal/gótico não tem espaço na mídia dominante. A mídia se utiliza de artistas pop, moldadas ao mercado, sem poder questionador e as veste com visual rebelde. Enquanto as questionadoras estão lutando pra sobreviver no pequeno espaço que lhes resta, sempre tendo que provar capacidade.

Um artista pode dar visibilidade e trazer novos cliente, mas a fidelidade quem dá somos nós. 

Sem a consumidora alternativa uma marca deixa de ser alternativa. 

A moda alternativa tem suas próprias demandas e as demandas de seus consumidores.

A moda alternativa não precisa ser validada pelo mainstream. 

Nós não devemos reconhecimento ao mainstream.

Nós não devemos nada a eles. 

É o mainstream que precisa da moda alternativa.

Eles é que nos devem muito. 

Nos devem nossa história. 

Nos devem tudo que nos roubaram e enriqueceram com nossa criatividade.


A moda mainstream nos colonizou.

A moda mainstream nos colonizou.

Eles conseguiram o que queriam: nos dividiram, nos esvaziaram, nos cooptaram, colocaram o discurso deles sobre o nosso. 

Símbolos das subculturas podem ser muitos vendáveis. O mainstream lucra horrores, ganham status de cult, de lançadores de tendências. 

Aí você vai ver seus irmãos e irmãs alternativas e estão todos fodidos no underground. Vivem como classe trabalhadora. Por vezes precarizados. Por vezes trocando trabalho por produtos. Produzindo trabalho intelectual de graça.

Alguns deles e delas se disfarçam com a projeção de um estilo de vida burguês, porque ser pobre é um estigma.


A moda alternativa ainda existe? 

Até quando será possível falar de uma "moda alternativa" se tudo logo se torna mainstream?

Como é que o alternativo vende tanto no mainstream mas as pessoas alternativas são praticamente inválidas fora dele?


3. Moda terror: 

Um post da  FFW sobre uma "trend alert" de halloween fora de época foi bastante compartilhado. Ao que parece muitos alternativos curtiram por se sentirem representados.

Aqui retorno ao que escrevi nos stories anteriores: a cultura pop americana está inserida na cultura alternativa e, a cultura alternativa não precisa ser validada pelo mainstream. 

Se alternativos se sentem "representados" ou "validados" por umas blusinhas de terror vindas de grifes, olha sinceramente, é jogar a História Alternativa fora. 

Alternativos não precisam serem validados por ninguém. Aliás o propósito era justamente desenvolver um contaponto à aceitação social.

O propósito de ser alternativo era mostrar que as instituições, o sistema e sua coerção social que nos dirige à validação e aceitação, fossem quebrados.

Mas ao que tudo indica o pensamento liberal pós moderno se tornou o cavalo de troia da cultura alternativa.

Teve quem saiu por aí dizendo que estéticas subculturais são mortos vivos que sempre voltam pra assombrar. Mas essa frase está contida em um post nosso! É uma frase da historiadora Valerie Steele para a exposição Dark Glamour de 2008! A gente sabe muito bem quem consulta nosso conteúdo e nos invisibiliza. 

Nós já falamos do terror na moda mainstream diversas vezes, como no post do desfile da Moschino em 2019. Pena que nossos posts não são compartilhados como os do FFW não é mesmo? 

Quem dera tivéssemos tanto apoio e celebração quanto os sites mainstream.



Essa é outra luta dos perfis alternativos que não se rendem ao discurso liberal pós moderno: a luta contra a falta de memória, a manutenção da história alternativa, a disponibilidade em manter o contato entre os conhecimentos das gerações anteriores e os conhecimentos das novas gerações, a honestidade e a coerência entre pensamento e ação.

E sobre o terror, tão aclamado:

enquanto o discurso clássico e reproduzido é que ele é uma forma de lidar com a dureza da realidade ou de instinto de sobrevivência,  vocês já observaram quem sempre são as maiores vítimas?  Vítimas de serial killers, vítimas de acusações de bruxaria ou de estar possuído por demônios? Você sabe a resposta.

Dica: até matam os homens, mas as vítimas, o demônio é a mulher.




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Artigo original do blog Moda de Subculturas, escrito por Sana Mendonça e Lauren Scheffel. 
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Comentários via Facebook

3 comentários:

  1. Que artigo necessário Sana! Como sempre me surpreendo com tamanha sensibilidade e profissionalismo! Concordo com tudo que você disse, e me sinto muito triste com os rumos que nossa cultura tão subversiva e iconoclasta de outrora sendo consumida pela apropriação cultural do mainstream! Sou uma pessoa que curto música pesada e tenho um estilo alternativo há anos, sou adulta, não foi uma fase, e muitas vezes, passo por intolerante por não aceitar determinadas coisas, mas na minha essência, não me sinto representada por determinadas "empoderadas" que existe na própria cena alternativa, quanto mais vindo do mainstream se apropriando de nossa identidade visual. Acho que são consequências também de moda alternativa ser vendida em lojas de departamento, por um lado é bom por outro não, é relativo né? Penso a mesma coisa com relação a música, hoje em dia não podemos opinar negativamente contra nada que é ser intolerante , no meu caso, eu não gosto de funk e sertanejo por exemplo, por causa disso, sou intolerante e "troozona"? Não! É que realmente esses estilos musicais não me agradam, mas atualmente a gente é obrigado a gostar de tudo, isso é muito chato! Enfim, sigo acompanhando desde o início o blog, estou sumida ultimamente, nos comentários, mas sigo sempre acompanhando! Parabéns ao blog!

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  2. Fazia tempo que não vinha aqui, até ter curiosidade sobre a Tina Punk.Mas sobre o assunto abordado, tenho pensado sobre a muito tempo! Por isso sai por um tempo das redes sociais, estava cansada de ser fetichizada e pornific@ada, ser vista apenas desta forma e nada mais. Tempos atrás fiz uma aula experimental de Pole Exotic, quando a professora me perguntou "Pode ser essa música mesmo?Que tipo de música você gosta além de rock?", antes que eu pudesse responder, uma pessoa (branca) respondeu por mim "É a sua cara Melanie Martinez". Eu fiquei pensando do porque a pessoa respondeu por mim e o que levaria ela a achar que tal artista fosse do "meu gosto", ai cai por mim que era por conta do apelo alternativo, desisti de explicar que gostava de New Wave e dancei com a música que tinha disponível. A pessoa negra , principalmente a mulher negra não tem voz e muita gente ainda acredita que ser alternativo é um status e não um ato politico. Cansei de dizer que me visto assim não por ser imatura, mas por me colocar, por ter direito de estar em todos os lugares e ser ser quem sou sem me fragmentar! Não faz pouco tempo que alguém que mal me conhece, me disse que me escondo por trás da minha estética, sendo que sabemos que uma pessoa alternativa e negra, o que menos quer e pretende, é se esconder. Confesso Sana que estou cansada, de verdade...cansada de que a essência genuína de um grupo é tratada como modismo vendável , cansada de ser vista de forma sexualizada e que apenas a minha voz é escutada se eu me mostrar dessa maneira, sabemos por A+B que isso é falácia. Cansada de gente que não vive nossas lutas, tentando inviabilizar nossa voz e tentando nos educar.Não nego que deixar a subcultura no mainstream até me dava um certo alivio, mas como apontado no texto, é sobre a fidelidade, quem consome moda alternativa real de lojas alternativas são as pessoas que vivem no Underground, pessoas esquecidas e marginalizadas!Pessoa com acessos aos direitos negados, pelo conservadorismo dual.O que essa popularização vai fazer com a moda alternativa? Torna-la menos acessível para quem de fato a consome e vive, descaracteriza-la, deixando-a ainda mais eurocentrada. Tornando-a artigo de luxo e de nicho, quem vive mesmo o Underground, ainda será taxado de imaturo, irresponsável, lixo da sociedade mesmo contribuindo com impostos, tendo profissões , uma vida com família e filhos! Todo mundo quer viver o Glamour das coisas, é lindo, é poético mas só quem é excluído por ser quem é, sabe como isso funciona!A realidade tem glitter com sujeira. Não demonizo as artistas citadas na postagem, até porque, seria estupido e contraditório.Mas olhar para o Underground apenas quando este é rentável e mostrar apenas o viés conveniente dele, que de longe representa de fato o que é... é o mesmo que eu dizer que a visibilidade/representatividade étnica nos dias atuais, é justa, verdadeira e bem, não é e está longe de ser.Mas enfim, a minha visão é apenas uma pequenina parte deste viés, afinal esta é baseada na minha vivencia e não posso e nem devo aponta-la como absoluta !Me desculpe pelo desabafo, mas foi a forma mais sincera que encontrei para comentar a postagem.

    Abraços!

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  3. Fazia tempo que não vinha aqui, até ter curiosidade sobre a Tina Punk.Mas sobre o assunto abordado, tenho pensado sobre a muito tempo! Por isso sai por um tempo das redes sociais, estava cansada de ser fetichizada e pornific@ada, ser vista apenas desta forma e nada mais. Tempos atrás fiz uma aula experimental de Pole Exotic, quando a professora me perguntou "Pode ser essa música mesmo?Que tipo de música você gosta além de rock?", antes que eu pudesse responder, uma pessoa (branca) respondeu por mim "É a sua cara Melanie Martinez". Eu fiquei pensando do porque a pessoa respondeu por mim e o que levaria ela a achar que tal artista fosse do "meu gosto", ai cai por mim que era por conta do apelo alternativo, desisti de explicar que gostava de New Wave e dancei com a música que tinha disponível. A pessoa negra , principalmente a mulher negra não tem voz e muita gente ainda acredita que ser alternativo é um status e não um ato politico. Cansei de dizer que me visto assim não por ser imatura, mas por me colocar, por ter direito de estar em todos os lugares e ser ser quem sou sem me fragmentar! Não faz pouco tempo que alguém que mal me conhece, me disse que me escondo por trás da minha estética, sendo que sabemos que uma pessoa alternativa e negra, o que menos quer e pretende, é se esconder. Confesso Sana que estou cansada, de verdade...cansada de que a essência genuína de um grupo é tratada como modismo vendável , cansada de ser vista de forma sexualizada e que apenas a minha voz é escutada se eu me mostrar dessa maneira, sabemos por A+B que isso é falácia. Cansada de gente que não vive nossas lutas, tentando inviabilizar nossa voz e tentando nos educar.Não nego que deixar a subcultura no mainstream até me dava um certo alivio, mas como apontado no texto, é sobre a fidelidade, quem consome moda alternativa real de lojas alternativas são as pessoas que vivem no Underground, pessoas esquecidas e marginalizadas!Pessoa com acessos aos direitos negados, pelo conservadorismo dual.O que essa popularização vai fazer com a moda alternativa? Torna-la menos acessível para quem de fato a consome e vive, descaracteriza-la, deixando-a ainda mais eurocentrada. Tornando-a artigo de luxo e de nicho, quem vive mesmo o Underground, ainda será taxado de imaturo, irresponsável, lixo da sociedade mesmo contribuindo com impostos, tendo profissões , uma vida com família e filhos! Todo mundo quer viver o Glamour das coisas, é lindo, é poético mas só quem é excluído por ser quem é, sabe como isso funciona!A realidade tem glitter com sujeira. Não demonizo as artistas citadas na postagem, até porque, seria estupido e contraditório.Mas olhar para o Underground apenas quando este é rentável e mostrar apenas o viés conveniente dele, que de longe representa de fato o que é... é o mesmo que eu dizer que a visibilidade/representatividade étnica nos dias atuais, é justa, verdadeira e bem, não é e está longe de ser.Mas enfim, a minha visão é apenas uma pequenina parte deste viés, afinal esta é baseada na minha vivencia e não posso e nem devo aponta-la como absoluta !Me desculpe pelo desabafo, mas foi a forma mais sincera que encontrei para comentar a postagem.

    Abraços!

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